No final da sessão de julgamento dedicada às alegações finais do Ministério Público (MP), Ricardo Sá Fernandes, na qualidade de assistente no processo, criticou, em declarações aos jornalistas, que a procuradora, nas alegações finais do julgamento, se tenha "centrado sobretudo naquilo que teve a ver com a falta de assistência ao Dylan Silva e Hugo Abreu" no decurso da "prova zero" dos Comandos, a 4 de setembro de 2016.
Segundo o advogado, nas alegações finais o MP "colocou o enfoque nos crimes que têm a ver com a falta de assitência que foi dada (aos dois instruendos que morreram) e daí o pedido de condenação do médico e de um sargento `mais agressivo (Ricardo Rodrigues)".
Na sua opinião, o MP, em sede de alegações de julgamento, "absolveu a estrutura" acusatória que sentou 19 arguidos no banco dos réus e como assistente Ricardo Sá Fernandes sublinhou não poder "estar de acordo" com esta mudança da narrativa acusatória.
Como assistente no processo, Ricardo Sá Fernandes diz estar "mais próximo da acusação do MP" do que hoje foi defendido pela procuradora Isabel Lima, que pediu a condenação de cinco dos 19 arguidos a penas que variam entre os dois e 10 anos de prisão.
No entender do advogado dos familiares de Dylan Silva e Hugo Abreu, o MP devia ter-se centrado não só na "falta de assistência" aos dois instruendos, mas também na "forma como a prova foi concebida e executada", resultando na morte daqueles dois jovens militares.
Ou seja, explicou, o MP devia ter dado maior enfoque à forma como a "prova zero" dos Comandos foi conduzida e a "penosidade gratuita" a que sujeitaram Dylan Silva e Hugo Abreu, dando como exemplo o facto de os obrigarem a passar por cima de silvas.
Nas alegações finais, a procuradora Isabel Lima pediu a condenação mais pesada para o instrutor e sargento Ricardo Rodrigues, que, segundo o MP, terá colocado terra na boca do instruendo Hugo Abreu durante a "prova zero" dos Comandos, numa altura em que este já se encontrava "muito desgastado fisicamente", tendo-se colocado debaixo de uma árvore, até para curar feridas que tinha.
A procuradora apontou o depoimento de uma testemunha que relatou que Hugo Abreu "não conseguia falar, babava-se e Ricardo Rodrigues (instrutor) pôs-lhe terra na boca" e que "a baba até vinha com terra".
Hugo Abreu, que na altura, segundo a acusação, já estava "tonto e a cambalear", ter-se-á engasgado e desmaiado posteriormente, não tendo recebido o devido auxílio imediato e necessário, tendo o INEM limitado, mais tarde, a confirmar o óbito por alegado "golpe de calor".
Hugo Abreu, que nem sequer foi sujeito a tentativa de reanimação porque já estava morto quando o INEM chegou ao local, apresentava ainda no corpo hematomas. A procuradora referiu peças de um 'puzzle' que diz comprovar a "anormalidade dos factos" ocorridos na prova zero daquele curso dos Comandos.
Segundo a procuradora, o instrutor Ricardo Rodrigues, sargento do regimento de Comandos, terá também obrigado o instruendo Dylan Silva, que veio a morrer dias depois no Hospital Curry Cabral por insuficiência hepática e renal, a rastejar no meio de um mato de silvas.
A procuradora reiterou, ao longo das alegações, factos que indiciam que os principais responsáveis "tentaram ocultar os factos", quer nos depoimentos em julgamento, quer com a ajuda de testemunhas que não terão relatado devidamente a história, porque também pertencem à mesma instituição militar.
O MP deu como provado que Ricardo Rodrigues praticou o crime de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, com perigo de vida, pedindo que o seu comportamento, por ação e não omissão, seja punido com pena de prisão até 10 anos de cadeia.
Isabel Lima, coadjuvada pela colega Leonor Machado, considerou, durante as mais de quatro horas de alegações finais, que cabia ao instrutor Ricardo Rodrigues "zelar pela segurança e saúde dos instruendos", mas que "não agiu" dessa forma, "potenciando o perigo para a vida do instruendo (Hugo Abreu)".
Quanto ao médico Miguel Domingues, também acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, mas por omissão e não ação, o MP pediu uma condenação a cinco anos de prisão, pena passível de ser suspensa na execução.
Quanto ao militar responsável pela "prova zero", Mário Maia, que falou durante o julgamento e que está acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, por omissão, a procuradora pediu a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período.
Igual pena suspensa de dois anos de prisão foi pedida para os arguidos Pedro Nelson Morais, Pedro Fernandes e Lenate Inácio. Não foi pedida condenação para os restantes arguidos.
Em causa no processo estão os acontecimentos ocorridos durante a primeira prova do 127.º curso de Comandos em que morreram os recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu, tendo o MP, no final da investigação, acusado 19 militares, por cerca de 500 crimes relacionados com os atos alegadamente praticados na instrução.
Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos ambos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a denominada "prova zero", que decorreu na região de Alcochete, distrito de Setúbal.
Oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, foram acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.
Segundo a acusação, os arguidos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos".
O julgamento deste caso durou quase dois anos e meio.
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