Cerca de 30 pessoas em vigília para exigir "justiça por Bruno Candé"

Cerca de três dezenas de pessoas participam hoje numa vigília para exigir "justiça por Bruno Candé", assassinado em julho de 2020, uma iniciativa que decorre junto ao Tribunal de Loures, onde está a ser julgado o suspeito de homicídio qualificado.

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Lusa
21/05/2021 11:58 ‧ 21/05/2021 por Lusa

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Bruno Candé

 

"O racismo matou de novo. Justiça por Bruno Candé", lê-se nos cartazes erguidos à porta do Tribunal de Loures, distrito de Lisboa, pelos participantes da vigília, na maioria vestidos com 't-shirts' com o rosto do ator.

"O que aconteceu ao Bruno Candé é algo que pode acontecer a qualquer pessoa da comunidade negra ou da comunidade racializada em Portugal", afirmou António Tonga.

Em declarações à agência Lusa, o participante na vigília explicou que "não há uma grande hipótese, vivendo dentro do sistema como ele é, de não se solidarizar" perante este caso, reclamando justiça, e defendeu que a questão "não se prende somente com o assassino".

"Prende-se também com uma punição exemplar aos crimes racistas, um quadro legal em relação ao crime de ódio racial, que seja de facto empregado na realidade, e, por isso, estamos a prestar solidariedade à família do Bruno Candé, mas também estamos a aqui a dizer que mais uma vez o racismo matou e o racismo mata", declarou António Tonga, considerando que este é um problema mundial, que existe também em Portugal.

Evaristo Marinho está acusado pelo Ministério Público (MP) pelo homicídio qualificado de Bruno Candé, baleado na Avenida de Moscavide, no concelho de Loures, em 25 de julho de 2020, um crime que é agravado pela motivação de ódio racial.

A sessão de hoje do julgamento começou pelas 09:15 no Tribunal de Loures, mas foi interrompida por uma hora, entre as 10:00 e as 11:00, devido à greve dos funcionários judiciais.

Na sala de audiências foi limitada a presença a oito pessoas, entre público e comunicação social, por consequência do contexto da pandemia de covid-19.

Na perspetiva de António Tonga, "Evaristo Marinho cometeu um crime de assassinato, mas foi uma assassinato racista, de índole racista". Neste julgamento, acrescentou, "o Estado português também se senta no banco dos réus".

"O Estado português quer ou não quer fazer parte dessa mudança? Quer ou não quer ter uma política que de facto faça, que ponha um travão à impunidade do racista? Ou o Estado português quer voltar e continuar a fazer parte de um sistema que coloca as pessoas negras estando a um racista de distância de serem mortas, de serem fuziladas ou mesmo de terem toda uma dificuldade de acesso a direitos que deviam ser iguais para todos, conforme diz a Constituição portuguesa?", questionou.

Também presente na vigília, Mário Pedro disse que a ação de protesto "é um acumular de muitas coisas, de vários anos", acrescentando que "é inaceitável" um homem "achar que tem o direito de tirar a vida a quem quer que seja, é ultrajante".

"Como sou negro identifico-me muito, porque é a luta da nossa vida, é uma luta antirracista que temos de expressar diariamente, então faz sentido e é importante estarmos aqui para prestar apoio à família", apontou o jovem, contando que pediu para ir trabalhar mais tarde para marcar presença na concentração.

Mário Pedro disse ainda que o racismo "é um problema estrutural e que está enraizado", com impacto em todas as áreas, nomeadamente na justiça, no acesso à educação, ao mercado de trabalho e à saúde.

"É no dia a dia na rua, nas pessoas que olham para nós e nos lançam injúrias, que nos chamam isto, que nos chamam aquilo. É uma luta diária", frisou, sugerindo uma reforma de fundo em todos os quadrantes da sociedade, "do Estado em si mesmo".

Para este jovem, a conversa sobre o racismo em Portugal "nunca é aprofundada".

"Não somos verdadeiramente representados. Por exemplo, muitos dos debates sobre o racismo que vemos na televisão não têm pessoas negras, são pessoas brancas que estão a discutir os problemas das pessoas negras, e é necessário ter o enfoque da pessoa negra naquilo que é a questão do racismo, naquilo que é a nossa luta diária, naquilo que nós passamos na pele todos os dias", expôs.

Segundo o despacho do MP, Evaristo Marinho, de 76 anos, afirmou durante uma discussão com a vítima, em 22 de julho de 2020, entre outros impropérios: "Vai para a tua terra, preto! Tens toda a família na senzala e devias também lá estar!". Durante a discussão na via pública, o arguido levantou a bengala em direção ao ator, ameaçando-o de morte.

No dia 25 do mesmo mês, por volta da hora do almoço, ao avistar Bruno Candé sentado no muro de um canteiro existente na rua, o arguido retirou a arma do coldre, empunhou-a e disparou contra a vítima, que caiu ao chão.

Segundo a acusação, "aproveitando que Bruno Candé Marques estava prostrado no chão, o arguido aproximou-se e efetuou mais quatro disparos", provocando-lhe a morte imediata. O homem foi detido por cidadãos a poucos metros do local do crime, até chegar a Polícia de Segurança Pública (PSP).

Considera a procuradora do MP que Evaristo Marinho atuou com intenção de matar Bruno Candé e agiu "por razões vãs", tendo-lhe provocado a morte de "forma falsa, traiçoeira", já que o impediu de se defender.

O homicídio foi cometido, segundo a acusação, não só pela discussão tida dias antes, mas motivado também pela cor e origem étnica de Bruno Candé, às quais o arguido fez diversas referências insultuosas.

O arguido, que prestou serviço militar em Angola, entre 1966 e 1968, tem estado em prisão preventiva.

Bruno Candé tinha 39 anos e era ator da companhia de teatro Casa Conveniente desde 2010, tendo também participado em telenovelas.

Leia Também: Conselho da Europa insta Portugal a aplicar recomendações contra racismo

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