Pavél Alizárov, um dos ativistas cujos dados pessoais foram enviados pela Câmara Municipal de Lisboa à embaixada russa, não acredita que Portugal consiga garantir a sua segurança.
"Acho que não vai ser fácil Portugal proteger-nos. Eu já estou a assumir este risco", afirmou, em declarações, ontem à noite, na SIC Notícias.
Assumindo que sempre soube que os "ativistas podem ser perseguidos em todo o lado", Pavél Alizárov reiterou que, agora, após esta libertação de dados, não vê como Portugal possa "proteger de alguma forma os ativistas".
O ativista conta ainda que, quando chegou ao país, em 2013, recebeu exilio político e, um ano depois, obteve proteção internacional de Portugal como refugiado político.
"Sentia-me muito aqui, pensava que era o país mais seguro do mundo. Foi muito estranho perceber isto de ao mesmo tempo darem-me proteção internacional e depois enviarem os meus dados para o país que me perseguia", lamentou.
Os jornais Expresso e Observador noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
Em conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, Fernando Medina admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu "desculpas públicas" e assumiu que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido".
Os três ativistas russos, cujos dados foram partilhados, anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a Câmara Municipal.
Na conferência de imprensa, o autarca explicou que a partilha de dados resultou de "um funcionamento burocrático" da autarquia sobre realização de manifestações, entretanto já alterado em abril: Os promotores de uma qualquer manifestação devem comunicá-la à câmara até 48 horas antes da data, indicando o local, hora e dados de quem organiza.
Esses dados são partilhados com a PSP, o Ministério da Administração Interna e "as entidades onde a manifestação se vai realizar", explicou Fernando Medina. Neste caso, a entidade era a embaixada da Rússia em Lisboa.
"É aqui que há o erro da Câmara, tratando-se desta manifestação esta informação não podia ter sido transmitida", disse.
No entanto, a explicação de que a embaixada da Rússia foi informada "por ser esse o local da realização da manifestação" contradiz uma explicação dada em 2019 pela Câmara de Lisboa, de que uma embaixada é informada "sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação", independentemente do local onde se realiza.
O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento da Amnistia Internacional e de partidos políticos, nomeadamente do PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, Livre e Volt Portugal.
À margem das comemorações do Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse aos jornalistas que a partilha de dados foi lamentável.
"Realmente é lamentável que isso tenha acontecido, e percebo o pedido de desculpa do senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O que ele disse é, no fundo, aquilo que todos os responsáveis sentem, que não devia acontecer, não devia ter acontecido e espera-se que não volte a acontecer", considerou.
Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu a demissão de Fernando Medina e o partido Aliança disse que vai participar o caso à Procuradoria-Geral da República.
À noite, na RTP, Fernando Medina desvalorizou os pedidos de demissão, apelidando-os de "delírio de oportunismo político": "Estamos num tempo político em que o aproveitamento político é muito evidente".
Entretanto, a Comissão Nacional de Proteção de Dados fez saber que abriu um processo de averiguações à partilha de dados pessoais dos três ativistas russos.
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