Estes são apenas alguns temas abordados no relatório de 110 da Provedoria, que contempla o Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, e que, além dos estabelecimentos prisionais, analisa também a situação dos Centros Educativos e dos Centros de Instalação Temporária (CIT) e Espaços Equiparados.
Quanto às prisões, em que foram realizadas 19 visitas, o relatório realça que "o ano de 2020 fica necessariamente marcado pela pandemia", tendo a crise pandémica durante o "primeiro confinamento" levado à suspensão de toda as visitas regulares, as quais viriam a ser retomadas no início do verão em condições impostas pela emergência sanitária.
Em junho - descreve o relatório - as visitas foram retomadas, exigindo-se a adaptação do parlatório à situação sanitária, tendo em todos os estabelecimentos prisionais sido "instalados biombos de acrílico" para garantir o afastamento entre reclusos e as visitas e, assim, evitar a propagação do vírus.
No mais, as visitas passaram a ter uma duração mais reduzida, de apenas 30 minutos, com um máximo de duas pessoas, e havendo apenas um período de visita por semana, que, num momento inicial, não incluía os fins de semana.
"Não há nenhum momento da vida prisional que tenha escapado ao impacto da pandemia", diz o relatório, que refere que Portugal iniciou 2020 com 122,7 reclusos por 100 mil habitantes, quando a mediana europeia era de 106,5, mas que, ao longo do ano, houve uma redução significativa do número de presos por 100 mil habitantes, tendo, em finais de 2020, esse número baixado para os 109,6.
Apesar de uma leve subida nos últimos meses de 2020, com o final do desconfinamento da pandemia, Portugal foi um dos países em que se registaram uma mais acentuada diminuição percentual da população prisional entre os países europeus analisados.
Segundo o relatório, Portugal terminou o ano de 2020 com uma população prisional de 11.288 reclusos, o que representa uma redução significava de 1.340 reclusos (cerca de 11%) em relação a 2019, sendo a lotação total do sistema de 12.687 lugares, tal significa que, no seu global, a taxa de ocupação é de 89%.
"As mulheres continuam a representar 7% da população prisional portuguesa. A estes números acrescem 196 inimputáveis internados em unidades fora do sistema", diz o relatório, notando que "a forte descida na população prisional está, necessariamente, associada à Lei que prevê um regime excecional de flexibilização de execução das penas e das medidas de segurança, no âmbito da pandemia por covid-19, nomeadamente perdão de penas, indultos presidenciais e licenças de saída extraordinárias de reclusos por períodos de 45 dias renováveis, havendo o dever de permanência na habitação.
O relatório indica que "a falta de ocupação (dos reclusos) foi exacerbada pela pandemia, que conduziu a uma drástica redução das oportunidades oferecidas", sendo este "um impacto negativo", observando que, na maioria das cadeias, o trabalho "passou a resumir-se à faxinagem", com algumas exceções.
Outro dos domínios do quotidiano prisional mais afetado pela pandemia - diz o relatório - foi o contacto dos reclusos com o exterior, uma vez que, com as "restrições adicionais e incertezas" quanto à transmissão do vírus, houve "necessidade de reinventar a forma como se mantinham laços afetivos e ligação ao mundo fora de muros".
O relatório constatou ainda que a chegada da pandemia "conduziu, em geral, a um reforço do pessoal nos serviços clínicos dos EP".
Quanto ao parque prisional que "é bastante heterogéneo e carece de restruturação para evitar condições desumanas e degradantes", o relatório lembra que, havendo o propósito de construção de cinco novos EP, previsto no Relatório sobre o Sistema Prisional e Tutelar de 2017, este "continua sem conhecer avanços".
"Outro problema associado é o facto de estar previsto o encerramento de alguns EP, mas sem se saber exatamente em que momento. É o caso do EP de Lisboa, que deveria ser alvo de intervenções profundas face às suas más condições gerais, mas não o será, por não se saber o seu tempo útil, implicando investimentos avultados e estando, há bastante tempo, previsto o seu encerramento", acentua.
Segundo o relatório, esta "incerteza é um entrave aos melhoramentos urgentes que o espaço exigiria" e a própria diretora do EP de Lisboa considerou as condições físicas do espaço como "o seu principal desafio, havendo zonas do EP a céu aberto, com chuva a cair, inclusive nos refeitórios".
É um EP "com pouca luz natural, muitas infiltrações e humidade e que nem as pequenas reparações ou esforços de limpeza conseguem alterar o paradigma -- "por muito que se limpe, nada brilha", alerta o relatório, assinalando que estes problemas são comuns a vários EP nacionais, "onde as celas individuais são a exceção e não a regra, há excessiva proximidade entre as camas e as sanitas em celas partilhadas, a degradação de espaços comuns é frequente e a climatização e condições de limpeza são deficientes".
Recorda o relatório que as queixas têm vindo a levar a condenações recentes de Portugal por violação da Carta Europeia dos Direitos Humanos, centrando-se tais queixas nas condições de reclusão.
Em julho de 2020, havia 24 casos pendentes no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra Portugal baseados em queixas relativas às condições de detenção, aponta.
Em relação ao EP de Monsanto, "o único cuja classificação de segurança é especial", o relatório levanta dúvidas associadas à execução em regime de segurança de uma pena privativa de liberdade que incluem "o controlo da frustração, raiva, agressividade e propensão para a violência do recluso".
Trata-se de um regime que implica maiores restrições ao quotidiano dos reclusos, nomeadamente quanto à vida em comum e aos contactos com o exterior.
Entre outras interrogações, o relatório "questiona se, a médio e longo prazo, o seu afastamento do regime comum e maior isolamento e restrições associadas ao regime de segurança serão conducentes a uma melhoria do comportamento futuro", considerando que "a colocação deste tipo de reclusos em regime de segurança não deve ser utilizada como punição adicional".
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