Em entrevista à agência Lusa, José Artur Paiva defendeu "um caminho mais gradual que permita celebrações parcelares" e não "um tudo ou nada" semelhante ao que chamou de 'freedom day', em português "dia da liberdade".
"Dizer se é no fim de setembro ou de outubro [que se pode abrandar medidas] não é a melhor maneira de comunicar com a sociedade. O que nos ensinou a pandemia é que temos de monitorizar e decidir, dia a dia. É importante celebrar vitórias. É motivacional. Mas temos de procurar vitórias mais pequeninas, não passar do tudo ou nada, de um dia de recolhimento a um dia de libertação. Essa ideia do 'freedom day' não me parece inteligente", disse o médico.
E o especialista que pertence à Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a Covid-19, alertou: "O aparecimento de novas variantes pode mudar o jogo".
José Artur Paiva acredita que haverá "uma redução progressiva das medidas, à medida que o caminho da vacinação for acelerado", mas aconselhou o país a "até ao final desse caminho" saber "manter a humildade".
"Devemos ser humildes porque esse dia em que podemos começar a ter uma vida quase normal, é um dia que está dependente de vários fatores: o comportamento de todos nós, a estratégia de vacinação, mas também do comportamento do vírus", referiu.
O médico intensivista que em junho lamentou que o país tivesse sido lento na resposta ao aparecimento de uma nova variante e defendeu estudos de sequenciação numa quantidade mais significativa de amostras, disse hoje que a variante delta "trouxe ensinamentos" no que se refere ao "refinamento da estratégia", mas recordou que "até os ingleses que são obsessivos na referenciação de novas variantes, foram surpreendidos".
Para o diretor do serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), "é fundamental" que Portugal seja "capaz de ter um sistema efetivo de deteção de novas variantes".
"O INSA [Instituto Nacional De Saúde Doutor Ricardo Jorge] tem essa missão. É uma missão que pode e deve ser partilhada, sob a égide do INSA, com múltiplos laboratórios. Deve haver uma rede que permita a referenciação, por sequenciação genómica, de novas variantes", considerou.
Ainda sobre a variante delta, José Artur Paiva chamou-a de 'game changer', o que numa metáfora com o futebol, como o próprio fez, "se assemelhou a um craque, um jogador mais difícil de marcar".
"É mais transmissível e tem mais facilidade em invadir a célula do hospedeiro. Isso mudou as regras do jogo. A adaptação do país a este jogador novo foi lenta, mas houve uma resposta que me satisfez: a vacinação acelerou", analisou.
Antes, o especialista tinha analisado também os números atuais de doentes críticos com Covid-19, apontando que o número de doentes em medicina intensiva mais do que triplicou de junho para cá, mas "a boa notícia é que o percentual de doentes que precisam de hospitalização sobre o total de casos é menor agora do que era nas outras ondas".
Hoje de manhã no Hospital de São João estavam internados 15 doentes críticos com o novo coronavírus, dois dos quais com menos de 30 anos e seis com menos de 40 anos.
Já à escala nacional, dois terços dos doentes internados em Unidades de Cuidados Intensivos têm menos de 60 anos, metade dos doentes têm menos de 50 anos, e um quarto dos doentes tem menos de 40 anos.
"A população mais idosa e a não idosa, mas com comorbilidades, está protegida pela vacina. Mas isto prova uma segunda coisa, é que esta doença é capaz de causar casos graves em populações não idosas e não imunodeprimidas. Isto não é diferente agora. O que aconteceu não foi o aumento da mais nova, mas sim o desaparecimento da mais idosa", descreveu.
Diretor de um serviço onde a taxa de ocupação Covid-19 se situa atualmente entre os 85 e os 90%, enquanto a de não covid-19 é de 85%, José Artur Paiva explicou também que "a resposta é muito adaptável" e "a oferta vai variando conforme a procura que vai havendo", porque trabalhar com taxas de ocupação mais baixas do que 80 ou 85% pode significar desperdício de recursos.
"Há um compromisso sistemático e total em manter acesso total a doentes covid e doentes não covid. Não admitimos constrangimentos da atividade não covid face a ondas ou variações da covid. Este compromisso ético é para nós fundamental", frisou.
A pandemia de Covid-19 provocou pelo menos 4.128.543 mortos em todo o mundo, entre mais de 191,9 milhões de casos de infeção pelo novo coronavírus, enquanto em Portugal, desde março de 2020, morreram 17.248 pessoas e foram registados 943.244 casos de infeção.
Hoje no Hospital de São João, no Porto, estavam internadas 48 pessoas infetadas com o novo coronavírus.
A doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China, e atualmente com variantes identificadas em países como o Reino Unido, Índia, África do Sul, Brasil e Peru.
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