Para o presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, Francisco Ferreira, o combate às alterações climáticas, que "constitui um dos maiores desafios para a Humanidade, é absolutamente decisivo naquilo que é a ação a nível local", quer na mitigação, com a redução das emissões de gases com efeito estufa, quer na adaptação, com a preparação do território à possibilidade de eventos extremos, desde cheias a incêndios rurais.
Estes desafios assumem "maior escala" nas cidades, onde há "muito mais poluição", inclusive pela concentração de população, mas os municípios menos populosos não deixam de ter responsabilidades com as alterações climáticas, como é o caso dos territórios com áreas florestais e agrícolas, em que, por exemplo, os incêndios são um dos maiores riscos e "as autarquias têm uma intervenção direta no planeamento dessa floresta", refere o ambientalista, em declarações à agência Lusa a pretexto das eleições autárquicas de 26 de setembro e dos desafios do poder local nos próximos anos.
"Não há nenhuma autarquia que não tenha aqui fortes responsabilidades, pelo tipo de ocupação que tem e pela ameaça que as alterações climáticas constituem", reforça.
Francisco Ferreira aponta ainda como principais áreas de atuação dos autarcas o combate à pobreza energética do edificado, em que é preciso "investir mais na eficiência energética e na produção local de energia renovável"; o incentivo à mobilidade sustentável; a promoção da alimentação com base na produção agrícola de proximidade; a dinamização de um consumo responsável assente nos princípios da economia circular; o uso sustentável da água; a gestão do território integrando os processos naturais nas decisões; e a adoção de Orçamentos Participativos como uma forma de melhorar a gestão autárquica.
"Na área da energia renovável, precisamos de olhar muito para a promoção do autoconsumo nos edifícios das autarquias", expôs o presidente da ZERO, acrescentando que no investimento em parques solares, que têm sido polémicos em vários casos, é preciso "assegurar uma compatibilização entre a proteção da paisagem e da biodiversidade e a instalação destes parques", com as autarquias a envolverem a população na decisão.
Para incentivar a mobilidade sustentável, o ambientalista realça a necessidade de "reduzir a presença do automóvel", promovendo o transporte público e garantindo infraestruturas para uma mobilidade suave, seja andar de bicicleta, de trotinete ou a pé.
Duas das áreas de intervenção defendidas pela ZERO são o incentivo à mobilidade elétrica, com infraestruturas acessíveis e generalizadas para carregamento de veículos elétricos, e a implementação de Zonas de Zero Emissões (ZZE), "onde o espaço é para as pessoas, eventualmente também para a bicicleta ou para a trotinete, mas acima de tudo para as pessoas", explica Francisco Ferreira.
Nenhuma cidade portuguesa, sublinha, tem essas zonas: o que existe hoje são as Zonas de Emissões Reduzidas (ZER), onde são permitidos veículos poluentes que obedeçam a determinados critérios.
"Lisboa e Porto são, dada a sua escala, cidades que enfrentam problemas de mobilidade muito mais significativos e difíceis de resolver do que outras cidades", indica Francisco Ferreira, destacando o congestionamento de trânsito associado ao transporte rodoviário, o ruído e a poluição do ar, com excedências dos valores limite no centro destes dois espaços urbanos e que, "obviamente, afetam a saúde pública".
Questionado sobre a ideia de aplicar taxas aos veículos motorizados para entrarem no centro das cidades, o ambientalista afirma que "é muito complicado fazê-lo". No seu entender, "tem mais sentido pôr estacionamento caro e ter planos de mobilidade das empresas que devem impedir que os colaboradores tragam o carro para o centro da cidade, fomentando e apoiando o uso dos colaboradores do transporte público, deixando o automóvel em casa ou na periferia".
"É mais por esta lógica de dificuldades que achamos que conseguimos reduzir o tráfego de entrada do que propriamente taxando a entrada", sustenta.
Entre as 35 medidas propostas pela ZERO para debate na campanha eleitoral para as autárquicas estão ainda a promoção de "uma alimentação que vá buscar os produtos a terrenos próximos", em que as autarquias podem "criar e continuar a dinamização de hortas comunitárias"; o investimento na recolha seletiva de resíduos porta a porta; o aproveitamento dos biorresíduos; e a gestão dos recursos hídricos, assegurando a eficiência no uso da água, a promoção do consumo de água da torneira e o tratamento das águas residuais.
A associação ambientalista sugere também o incentivo da redução do consumo e da reutilização de bens, com pequenas reparações de equipamentos e mobiliário, assim como a troca e venda de roupas em segunda mão; e a criação de senhas para a aquisição de produtos locais, desde o uso de moedas locais a trocas solidárias, "novas formas de uma economia cooperativa e colaborativa que tem sentido serem dinamizadas à escala local, isto é, à escala do município".
"Há sempre uma esperança renovada quando há eleições", declara Francisco Ferreira, considerando que o planeamento da ação a nível local deveria ter "uma perspetiva mais de médio e longo prazo", em vez de se limitar aos quatro anos de cada mandato, mas "o ciclo eleitoral não deixa de ser sempre também uma oportunidade, pelo menos no arranque de muitas das ações".
No próximo mandato autárquico, os municípios podem usar financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência, pelo que "é crucial" garantir que esse dinheiro fará a diferença para "um desenvolvimento mais sustentável", salienta a ZERO.
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