"Portugal lidera esta missão, eu diria, de uma forma natural. Porque, desde o princípio, Portugal chegou-se à frente, podemos dizer assim", afirmou em entrevista com a Lusa Nuno Lemos Pieres, brigadeiro-general do Exército, atual subdiretor-geral de Política de Defesa Nacional no Ministério da Defesa Nacional e professor da Academia Militar, nomeado no passado dia 12 de julho comandante no terreno da EUTM Mozambique.
Lemos Pires atribui esta circunstância a "várias razões", sendo que a primeira foi porque Lisboa trabalhou "em conjunto" com Maputo. Portugal perguntou a Moçambique: "precisam da nossa ajuda? O que é que vocês precisam?" Foi uma construção feita em pleno diálogo com Moçambique", disse.
"Moçambique é que definiu o que precisava", reforçou o general. "Começou a falar com Portugal de uma forma bilateral há cerca de um ano, e foi nessa perspetiva que, em novembro do ano passado, o ministro [português] da Defesa [João Gomes Cravinho] foi a Moçambique".
"Ao mesmo tempo, começou-se a falar da perspetiva da União Europeia também poder colaborar. O ministro [português] dos Negócios Estrangeiros fez um pedido a Bruxelas e o Alto Representante [da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança], Josep Borrell, enviou Augusto Santos Silva, como seu representante a Moçambique", recordou ainda o militar que vai liderar a missão da UE.
"Portugal foi avançando mais rápido. E no âmbito dos seus programas de cooperação no domínio da defesa, como estava a renegociar o programa para mais 5 anos, de 2021 a 2026, foi relativamente fácil chegar a acordo com Moçambique para ver o que este país precisava agora", explicou Lemos Pires.
O facto é que Moçambique precisava de "uma grande transformação" e Portugal triplicou desde logo os seus efetivos no país e concluiu o chamado "Projeto 6", um projeto para responder às necessidades de Moçambique, cujo ponto essencial, no resumo de Lemos Pires, era a dotação de treino, equipamento, e formação das tropas moçambicanas.
"Aquilo que nós, portugueses, estávamos a fazer bem, por exemplo, na República Centro-Africana, que já fizemos bem no Afeganistão, são forças de reação rápida, que tanto sucesso têm tido. Negociámos com Moçambique este modelo, que o abraçou logo", explicou Lemos Pires.
A visita do almirante Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), António Silva Ribeiro a Maputo em janeiro/fevereiro, que Lemos Pires também acompanhou, definiu o nível de ambição do apoio de Portugal.
"Moçambique, disse: 'temos aqui seis companhias de comandos e 5 companhias de fuzileiros para treinar, faseadamente, uma a uma, e gostaríamos de começar isto por volta de abril'", descreveu o general português.
"E Portugal cumpriu. Em abril de 2021 estávamos efetivamente a começar a dar os primeiros treinos em Catembe aos fuzileiros e no Chimoyo aos comandos", sublinhou.
O general português acredita que "esta realidade" levou Bruxelas a considerar ser também o "tipo de aproximação" que gostaria assumir em relação ao apoio a Moçambique na questão da luta contra a insurgência radical islâmica em Cabo Delgado.
"A União Europeia mandou duas ou três missões a Moçambique para falar com os moçambicanos e apercebeu-se que o ideal era adotar uma postura parecida, mas mais ambiciosa, mais alargada, mais abrangente desta cooperação bilateral portuguesa", afirmou.
"E é por isso que Portugal lidera naturalmente esta missão, porque se ofereceu para isso. Portugal chegou e disse à União Europeia que estava disponível para dar até 50% da força e que estava disposto a liderar a missão", acrescentou.
A "atitude proativa" portuguesa, nos termos de Lemos Pires, que se fundará na "ligação entre Portugal e Moçambique", explicará, no entanto, apenas parcialmente a responsabilidade que lhe é atribuída na missão.
Ela "também tem que ver com o trabalho que tem sido feito com a União Europeia" no plano da segurança e defesa avançada dos 27, diz o general.
"Repare-se que Portugal tem comandado missões da UE no Mali; já comandou duas vezes missões da União Europeia na República Centro-Africana, onde ainda na semana passada o general Neves Abreu passou o comando da missão a um general francês; está presente desde o Golfo da Guiné ao Golfo de Áden", ilustrou.
A missão da UE não irá replicar o que Portugal está a fazer, ainda que assuma algumas prioridades que estavam a ser atacadas pela cooperação militar portuguesa.
"Portugal vai continuar a fazer muito e vai continuar a desenvolver bilateralmente uma série de projetos, são 6 -- e o próprio Projeto 6, que passa para o âmbito da União Europeia, não se extingue", explicou o general.
Por exemplo, Portugal mantém as responsabilidades assumidas bilateralmente na formação inicial de fuzileiros, de comandos, etc., e a UE "pegará nesta formação e vai estendê-la em nível. Vamos agora estender o treino aos estados-maiores dos batalhões, ou seja ao escalão acima", explicou Lemos Pires.
Ou seja, se Portugal oferece a formação inicial, ou de primeiro nível, da força de reação rápida de Moçambique, a UE alargará os seus campos de atuação, adequando a formação inicial a um teatro mais vasto.
"Vamos [a missão da UE] ter mais pessoas, vamos ter mais possibilidades, vamos ter mais capacidades. Isto permite-nos estender um bocadinho o âmbito da formação, o seu nível e escalão, aos estados-maiores dos batalhões, que é um nível acima das companhias", explica o general.
"Vamos treinar o escalão dos estados-maiores do batalhão de fuzileiros e de comandos. Vamos subir o nível e isso aumenta a complexidade e as áreas de treino, o que nos permite dar treino e formação em muitas outras áreas, como por exemplo, operações de natureza civil e militar ou operações de apoio à paz, direitos humanos, proteção das mulheres, e outras operações de segurança", disse ainda Lemos Pires.
A UE quer estar em Moçambique, sublinha o chefe da missão de treino militar, por outro lado, com uma "perspetiva de abordagem integrada". "Não vai lá só resolver ou ajudar a resolver um problema de segurança, para a UE, é fundamental que andem junto as noções de desenvolvimento e de segurança", concretizou.
"Não há paz sem segurança, não há segurança e sem haver paz e para haver as duas coisas, tem que haver desenvolvimento económico. As pessoas têm que sentir que vivem melhor. É por isso que esta missão de treino militar da UE está incluída num pacote mais amplo. Inclui o apoio humanitário, ajuda ao desenvolvimento e incentivos económicos ao que pode fazer a diferença para que as populações que vivem Cabo Delgado sintam efetivamente que ficam a viver melhor", concluiu Nuno Lemos Pires.