A vacinação das crianças está a ser a discutida e analisada, tendo a Pfizer já anunciado que a sua vacina contra a covid-19 é eficaz em crianças dos 5 aos 11 anos e que vai requerer autorização nos Estados Unidos para este grupo em breve.
Em entrevista à Lusa, o ex-diretor-geral da Saúde Francisco George não vê entraves na vacinação deste grupo etário, desde que as vacinas "tenham uma base de comprovação científica, da sua segurança e do resultado positivo".
"Se as coortes estudadas por epidemiologistas perceberem que as crianças são fontes de transmissão do vírus, da infeção, e que precisam de ser protegidas, e se tivermos a certeza da segurança da vacina, não vejo porque não", diz em entrevista à agência Lusa na sede da Cruz Vermelha Portuguesa, instituição a que preside, no Palácio da Rocha do Conde D'Óbidos, em Lisboa.
Em Portugal, as crianças são vacinadas desde a nascença até à entrada no ensino secundário, observa o médico que durante 12 anos foi diretor-geral da Saúde, cargo que deixou em 20 de outubro de 2017, na véspera de completar 70 anos, pondo fim a uma carreira de 44 anos ao serviço da Função Pública.
Então, questiona: "Se há reforço para as outras vacinas, e se há vacinação de crianças com menos de 5 anos para outras doenças, porque é que não há de haver também para estas?".
Quanto à terceira dose da vacina, defende que a sua necessidade é ditada pelo nível de anticorpos produzidos pelas vacinas anteriores e que a decisão terá de ser tomada com base científica.
"Não são as opiniões, sobretudo de comentadores, que devem ser ouvidas em termos dos comentários que formulam, que são livres, que são justos, que são legítimos, mas não tem base científica", declara.
Portanto, sustenta, "não há aqui nenhuma opinião a não ser aquela que é baseada na demonstração de que o número de doses anteriores [da vacina] tenha protegido o cidadão, a sua família, a comunidade, através da medição em laboratório dos anticorpos que circulam no soro".
Entre 1980 e 1991, Francisco George esteve na Organização Mundial da Saúde e em 1990 desempenhou as funções de epidemiologista do Programa Mundial de Luta Contra a Sida como coordenador para a África Austral.
Desde então lidou com outras crises epidémicas, como a SARS - Síndrome Respiratória Aguda Severa, em 2003, a infeção respiratória do Médio Oriente, dez anos depois, e agora com o coronavírus SARS-CoV-2, uma "doença nova" que surgiu na China no final de 2019.
Francisco George fala com entusiasmo da atual pandemia pelas medidas tomadas para a combater, mas sobretudo da vacina: "É extraordinária. Ao contrário de outras, é uma vacina inteligente" e "é absolutamente seguro ser vacinado".
"É espantoso como a evolução científica, com base nos conhecimentos recentes da biologia molecular, foi agora adaptada ao fabrico com sucesso destas vacinas", em que é inoculada uma proteína mensageira do vírus, em vez do vírus morto ou atenuado, diz com eloquência.
Considera também "absolutamente único" a desinfeção com um álcool-gel que "não é abrasivo e protege as mãos".
"Nunca mais vamos deixar de ter a higiene das mãos em conta", diz, destacando os benefícios desta medida, a par com o uso da máscara, na diminuição da frequência de "muitas outras doenças" como a gripe.
À pergunta se a população deve usar máscara na rua no outono/inverno, responde rapidamente que "só traz benefícios".
E se esta medida deve voltar a ser obrigatória nos períodos de maior atividade gripal, a resposta vem em jeito de pergunta: "Mas porque não? qual é o problema?".
"É socialmente aceite se for caso disso, não vejo nenhuma preocupação", refere, e pode ser até usada de forma espontânea pela população.
Voltando à vacina contra a covid-19 e se esta devia ser obrigatória, Francisco George afirma que não, mas reitera o apelo deixado na sua última intervenção enquanto diretor-geral de Saúde, para que se altere a Constituição de 1976, que apenas prevê o internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica.
"Eu não estou a defender a obrigatoriedade da vacina, estou a defender que, por exemplo, um doente que tenha ébola não possa sair do hospital e entrar no metropolitano. Isso é que eu defendo", justifica.
O objetivo é que "não haja diferença entre anomalia psíquica e doença contagiosa" e, para isso, "a Constituição pode e deve ser mudada para ir ao encontro dos interesses da saúde pública, defende, frisando que este "é um tema urgente que não pode ser ignorado".
"É necessário criar princípios inteligentes, mais flexíveis, que não tornem difícil a prevenção e o controle dos problemas em saúde pública", evitando-se assim estar a decretar-se "sucessivamente estados de emergência" como aconteceu com a covid-19.
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