O ex-ministro das Finanças João Leão, de fora da nova composição do Governo, continua a fazer parte da agenda mediática em torno do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), devido ao seu novo cargo.
PSD, IL e Chega exigem a presença do antigo governante no Parlamento para explicar o investimento num centro do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, noticiado pelo Público na semana passada, assim a como do antigo ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, e da reitora do ISCTE, Maria de Lurdes Rodrigues.
João Leão nega ter tido um dizer nos cerca de oito milhões de euros alocados para a estrutura, mas a Direita continua a querer uma explicação sobre a transparência no processo de nomeação que colocou o ex-ministro para a função.
Afinal, o que está em causa no novo emprego de Leão?
Segundo avançou o jornal Público, no dia 15 de abril, dois dias depois de abandonar o Governo do Partido Socialista, João Leão foi nomeado vice-reitor do ISCTE, instituição de Ensino Superior no qual é professor de Economia desde 2008. Entre outros projetos, Leão irá gerir o Centro de Valorização de Transferência de Tecnologias (CVTT).
No OE2022, documento que João Leão inicialmente ajudou a elaborar - recorde-se que este Orçamento acabou por ser chumbado pela Assembleia da República o que motivou as eleições antecipadas, tendo sido novamente apresentado pelo novo ministro das Finanças, Fernando Medina - estão previstos oito milhões de euros de investimento na obra.
Este investimento destina-se a oito centros de investigação, dez laboratórios e três observatórios da instituição no antigo edifício do Instituto da Mobilidade e dos Transportes.
O CVTT tem ainda outra ligação a governos socialistas, já que este é um dos projetos avançados pela antiga ministra da Educação do Governo de José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues - a antiga governante, entre 2005 e 2009, tomou posse como reitora do ISCTE em 2018.
O dinheiro já tinha começado a entrar no novo centro antes sequer do Orçamento ser aprovado. Segundo o último relatório de execução orçamental, as transferências para o novo centro, inicialmente designado Centro de Conhecimento e Inovação, começaram no final de 2021, quando Leão ainda era ministro.
Leão e ISCTE negam conflito de interesses
Ao Público, o ISCTE começou por esclarecer que, dos oito milhões alocados ao centro, apenas 5,2 milhões serão dados pelo Estado, com o restante valor a ser coberto por "receitas próprias" daquela instituição.
Depois de estalar a polémica, o antigo ministro das Finanças - que sucedeu a Mário Centeno depois de, também ele, ter aceitado um cargo público pouco depois de sair do Governo (no seu caso, o cargo de governador do Banco de Portugal) - defendeu-se através de uma resposta no mesmo jornal, argumentando que não tivera qualquer intervenção na atribuição dos oito milhões de euros destinados ao CVTT.
"A negociação e solicitação [do financiamento] resulta sempre do ministério e membros do Governo respetivos, neste caso do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). Não tive qualquer intervenção no processo e não intervim na decisão”, garantiu.
O ISCTE, através da reitora, subscreveu a explicação do antigo ministro, reafirmando que "a negociação do contrato do programa [para o financiamento da obra] foi feita entre o ISCTE e o MCTES".
Na terça-feira, Maria de Lurdes Rodrigues enviou uma carta aos reitores e presidentes de universidades e politécnicos, reiterando que o ISCTE "não beneficiou dos favores de qualquer governo, fossem estes do PS ou do PSD/CDS".
Projeto do ISCTE foi o único a ser aprovado pelas Finanças
A transparência no processo de passagem de João Leão do Governo para o ISCTE complicou-se ainda mais depois das declarações do anterior ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor.
Esta quarta-feira, o ministro - que também saiu do Governo após a tomada de posse do novo executivo, tendo sido substituído por Elvira Fortunato - contou ao Público que o projeto do CVTT foi o único projeto do MCTES a ser apoiado diretamente pela dotação centralizada do Ministério das Finanças em cinco anos.
Pelo caminho, chumbados, terão ficado projetos dos politécnicos de Santarém, Castelo Branco e Tomar, que precisavam de pouco mais de um milhão de euros, assim como iniciativas para aumentar o investimento na ciência e investigação.
Já esta quarta-feira, João Leão respondeu às declarações de Manuel Heitor, salientando que o seu ministério apenas aprovou o projeto do ISCTE porque o MCTES "apenas submeteu um único projeto, o do Iscte, para financiamento no âmbito desta dotação".
Direita quer questionar Leão no Parlamento
Esta quarta-feira, a polémica chegou aos corredores da Assembleia da República, com os três partidos à Direita a questionarem o processo de nomeação de João Leão para a vice-reitoria do ISCTE.
Os pedidos começaram pelo Chega. Esta manhã, o partido mais à direita entregou um requerimento para ouvir com caráter de urgência o ex-ministro, a reitora do ISCTE e os presidentes do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP).
Ao início da tarde, o deputado do PSD, Hugo Carvalho, disse em conferência de imprensa que "é impossível o [antigo] ministro das Finanças não ter tido mão ou conhecimento deste processo" e pediu a presença no Parlamento de João Leão e de Maria de Lurdes Rodrigues.
O deputado social-democrata também anunciou que foi pedido ao MCTES e às Finanças a "cópia integral de todas as comunicações feitas entre as partes interessadas: o ISCTE, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), Ministério das Finanças e respetivos serviços".
Por fim, a Iniciativa Liberal disse, citada pela agência Lusa, que está "extremamente apreensiva e preocupada perante esta situação que pode configurar um caso claro de conflito de interesses e das comummente chamadas 'portas giratórias'", pedindo a presença do atual ministro das Finanças, Fernando Medina, e dos dois anteriores ministros das Finanças e do Ensino Superior, João Leão e Manuel Heitor.
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