Natural de Santa Marinha do Zêzere, município de Baião, António Pinto Martins, de 73 anos, relembra o dia em que ocorreu a Revolução de 25 de Abril e partilha as mudanças sentidas após o derrube da ditadura em Portugal.
Estava a trabalhar no dia em que o país assistiu a um evento que ficou para a história - a queda do regime ditatorial do Estado Novo, em vigor desde 1933. Na altura, fazia parte de uma firma de construção civil e estava destacado para uma obra na Subestação do Pocinho, na Guarda.
“Lembro-me que paramos todos de trabalhar. A obra parou durante cerca de duas horas”, disse, explicando: “Soubemos através da rádio e de outras pessoas que estavam lá e nos comunicaram o que se estava a passar”. Excecionalmente, o engenheiro autorizou-os a ouvir o relato do movimento político e social na rádio.
Paramos todos para ouvir. Foi uma surpresa muito grande porque estávamos a viver numa ditadura. Ficamos todos satisfeitos, ninguém estava à esperaEm entrevista ao Notícias ao Minuto, António expressou que todos se sentiram “felizes” com a revolução. “Foi um alívio muito grande, sair de uma ditadura não é fácil”, salientou, acrescentando: “A revolução mudou tudo da noite para o dia. Passámos a ser livres, já podíamos falar de tudo e de todos”.
Recordou que antes da revolução a liberdade estava completamente condicionada, "havia certos filmes proibidos de passar na televisão, assim como músicas na rádio", mudança sentida por todos assim que se deu o golpe militar.
Não pôde deixar de mencionar como a presença da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) tornava a ditadura “ainda mais dura”, visto que "não se podia opinar sequer sobre o Estado". Caso alguém o fizesse, era de imediato "detido e, muitas vezes, torturado".
As pessoas eram obrigadas a confessar crimes que nem cometiam porque eram muito massacradasAntónio lembrou um episódio com um amigo que pertencia à PIDE e de nunca mais esqueceu. Estavam entre o grupo, nas festas de Santa Marinha, quando o que fazia parte da polícia disse: “Calai-vos senão ides já presos”. Contudo, contou que depois da revolução pediu-lhe desculpa e continuaram amigos.
Esclareceu que não só a PIDE controlava o povo, como também a igreja que lhes comunicava tudo: “Antigamente os padres tinham muito poder”, confessou, “mas nem todos eram a favor da PIDE, alguns eram a favor do povo e avisavam-nos para ter cuidado com certas pessoas e com o que dizíamos”.
A revolução permitiu que as pessoas se pudessem expressar e “vingar”, o que levou a que tenham sido cometidos delitos, como dar fogo a carros que pertenciam a membros da PIDE. Recordou até que um dos chefes locais, “graduado e com muito poder”, que inclusive “mandou prender o sobrinho” - por este ter-lhe dito “que estava enganado em relação a várias coisas” – esteve desaparecido, após ter-se instaurado a Democracia, por ser brutalmente ameaçado.
“Tal como outros, foi dos que esteve muito tempo fugido”, partilhou, enquanto lembrava o desejo da população de punir quem durante a ditadura os oprimiu. “Desapareceu depois de lhe incendiarem o carro, logo a seguir ao 25 de Abril”. Apesar de se ter escondido numa quinta e dormir no meio da palha, segundo António, “com medo que se descobrisse onde estava”, o povo soube e “deu fogo à palha, mas ele já não estava lá”, contou.
Foi para a tropa aos 21 anos e para a guerra na Guiné em maio de 1970, onde ficou 22 meses. Em conversa, admitiu que não queria ir, mas todos eram obrigados, revelando que acabou por ser "uma boa experiência": "O ambiente era bom, éramos como uma família e o quartel onde estava não era desagradável", frisou.
Embora a sua companhia (equipa do batalhão) não tivesse tido nenhuma baixa, o exército teve, dependendo do local: "Em alguns sítios havia muita guerra e, consequentemente, mortos". Revelou ainda que o que mais o marcou foi retirar, com lençóis, corpos “aos bocados” resultado da explosão de minas.
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