Abusos. Padre diz que mecanismos de ocultação são iguais em todo o mundo
A igreja católica apenas despertou para o impacto dos abusos sexuais e do seu encobrimento há cerca de cinco anos, disse hoje um responsável do Vaticano, afirmando que os mecanismos de negação instalados são idênticos em todos os países.
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País Abusos sexuais
Hans Zollner, padre jesuíta, teólogo, psicólogo, professor da Universidade Gregoriana de Roma é também membro da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores do Vaticano e participou hoje, em Lisboa, na conferência organizada pela Comissão Independente do Estudo sobre Abuso Sexual de Crianças na Igreja Católica Portuguesa (CI), que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian.
Em conferência de imprensa, na tarde de hoje, afirmou que "o impacto sistémico" dos abusos sexuais na igreja católica apenas foi descoberto pela própria igreja "há cerca de cinco anos".
Antes disso, disse, "não havia artigos sobre como a igreja tentava encobrir os abusos".
"Isto é muito perturbador para mim. Estive em 17 países. É muito perturbador que os mesmos mecanismos -- não semelhantes, exatamente os mesmos -- de defesa da instituição estejam instalados. A negação da situação está instalada", disse.
O padre jesuíta disse ter feito um percurso de compreensão do fenómeno dentro da igreja que o levou para lá da questão dos abusos em si, motivado por uma maior atenção da sociedade a questões de abuso de poder, como as que desembocaram no movimento "Me Too".
Disse ter tentado perceber como foi possível que os abusos ocorressem durante tantos anos sem denúncias, tentando compreender quais os mecanismos instalados numa diocese ou numa universidade que "tornavam possível que o abuso não fosse denunciado e fosse encoberto".
"Fiquei impressionado por ter encontrado várias peças teológicas em que não se reflete no que isto significa e implica para as vítimas", disse, a propósito de ser recente a atenção da igreja para uma visão mais sistémica do problema.
"Deixa-me triste e não consigo compreender racionalmente porque tornam tão difícil conhecer a verdade", afirmou sobre os mecanismos de ocultação instalados.
Hans Zollner sublinhou que "todas as lideranças cometem erros", mas "quando se admitem, as pessoas perdoam, quando se negam, as pessoas deixam de acreditar em nós".
"Se acreditamos no perdão individual, porque não para instituições? Porque não pedimos desculpa?", questionou a propósito da postura da própria igreja católica face à doutrina que prega.
Mais tarde, numa sessão em que proferiu uma palestra, Hans Zollner lembrou que a sexualidade "é uma arma até na guerra" e defendeu que "é uma ilusão pensarmos que a violência sexual vai desaparecer".
"Vai continuar enquanto a humanidade existir. O que podemos fazer é educarmo-nos e as instituições criarem espaços de segurança", disse.
A Comissão Independente do Estudo sobre Abuso Sexual de Crianças na Igreja Católica Portuguesa (CI) está a trabalhar desde o início do ano na recolha de testemunhos e denúncias de abusos sexuais na igreja católica e no final dos trabalhos deve produzir um relatório para ser entregue à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que teve a iniciativa de criar a CI.
Hoje, a comissão anunciou que há 326 depoimentos de vítimas recolhidos.
As denúncias e testemunhos podem chegar à comissão através do preenchimento de um inquérito 'online' em darvozaosilencio.org, através do número de telemóvel +351917110000 (diariamente entre as 10:00 e as 20:00), por correio eletrónico, em geral@darvozaosilencio.org e por carta para "Comissão Independente", Apartado 012079, EC Picoas 1061-011 Lisboa.
A comissão, presidida pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, integra ainda a investigadora e socióloga Ana Nunes Almeida, o psiquiatra Daniel Sampaio, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a realizadora Catarina Vasconcelos.
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