"Dizer que a existência de faixas de gestão de combustível seria suficiente para evitar a tragédia de junho de 2017 é uma mera ficção", afirmou Gastão Oliveira Neves, frisando que nas circunstâncias em que ocorreram os incêndios, "com caráter de excecionalidade e imprevisibilidade", aquelas "não faziam nada".
Gastão Oliveira Neves alegava no julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, frisando que as faixas "não são para apagar fogos", pois dependem de vários fatores, questionando sobre que faixas estava obrigada a arguida.
Margarida Gonçalves está em julgamento por sete crimes de homicídio e quatro de ofensa à integridade física, dois dos quais graves, todos por negligência.
À arguida, enquanto responsável técnica pela manutenção de sete vias onde ocorreram mortes e feridos, o Ministério Público (MP) e juiz de instrução criminal consideram que agiu sem "o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível" naquelas vias.
Em sede de alegações finais, o MP pediu a condenação da arguida "na pena única que corresponde às elevadas necessidades de prevenção" por seis crimes de homicídio por negligência e nos demais absolvidos.
Antes, o advogado questionou por que razão não estão a ser julgados os responsáveis dos gabinetes florestais de Figueiró dos Vinhos e de Castanheira de Pera, os outros dois concelhos mais afetados por estes fogos, concluindo: "Ainda bem que não o fez, sob pena de ser ainda mais injusta a acusação".
"[Margarida Gonçalves] Como técnica superior não tinha quaisquer funções executivas. Não era chefe de divisão, não era diretora de departamento, não tinha delegação de competências", declarou o mandatário.
Criticando o despacho de acusação que não aferiu o estado dos terrenos privados - "pouco importa" para o MP o estado da floresta em todo aquele território -, Gastão Oliveira Neves referiu que em matéria de florestal "é fácil dizer 'as câmaras que façam'".
"A política da defesa da floresta contra incêndios não pode ser implementada de forma isolada, mas antes inserindo-se no âmbito mais alargado envolvendo responsabilidade de todos, Governo, autarquias e cidadãos", defendeu, para sublinhar que em julgamento não estão os "proprietários dos terrenos que negligenciaram as suas limpezas", nem "os membros da tutela, nem do Estado que, de certa forma, ignoraram tudo isto".
"À data de hoje, estamos a julgar os autarcas e a engenheira por uma inércia, quando o Estado hoje já não obriga a fazer assim", afirmou o mandatário, que se referia a um diploma que entrou em vigor no ano passado e revogou o Decreto-lei 124/2006 (Sistema Nacional da Defesa da Floresta Contra Incêndios) e alterações seguintes, lamentando que o MP não tenha tido a humildade de pedir a absolvição destas pessoas "com base na revogação".
O advogado salientou que não há nexo de causalidade "entre os factos ocorridos, os resultados e a conduta da arguida", pelo que esta "só pode ser absolvida".
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Além de Margarida Gonçalves, são arguidos o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça.
As alegações prosseguem à tarde.
Leia Também: Pedrógão: Liga diz ser inaceitável julgamento de comandante dos bombeiros