Costa da Caparica. Quase todos os dias há famílias a pedir ajuda à igreja
A Paróquia da Costa da Caparica está a receber, desde abril, uma média de 24 novas famílias por mês à procura de ajuda socioeconómica, enquanto a cidade vê sair diariamente habitantes sem capacidade para pagar as rendas.
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País Costa da Caparica
"Nunca recebemos tanto", contou à agência Lusa o pároco da Costa, António Pires, que exerce o sacerdócio há 40 anos.
A igreja acompanha regularmente 1.088 famílias, num total de 2.611 pessoas, de acordo com os dados que facultou à Lusa.
Perante a emergência, cristãos e não cristãos encontram na igreja uma porta aberta, por oposição ao calvário dos serviços, onde o atendimento é protelado e a ajuda não chega em tempo útil.
"Para aceder às ajudas públicas, as barreiras são completas", disse o padre, habituado a lidar com situações de quem enveredou pelo mundo paralelo do crédito fácil: "Vão encontrar a facilidade das empresas que emprestam dinheiro, vão até encontrar uma certa intimidade, sentem-se compreendidos e entram num mundo que os vai tornar prisioneiros para sempre".
O padre, que preside ao Centro Social Paroquial Nossa Senhora da Conceição (concelho de Almada), considera que a atual crise é "muito pior" do que a anterior, que motivou a intervenção da troika em Portugal.
"A crise da troika é uma crise repentina nos seus efeitos, era uma crise arrastada, mas repentina nas consequências das pessoas", referiu. Esta, prosseguiu, "apanha as famílias mais fragilizadas", num período pós-troika e ainda a lidar com a pandemia de covid-19.
As famílias debatem-se agora com os efeitos penalizadores da inflação e da escalada dos preços da habitação.
Questionado sobre o principal motivo que leva as pessoas a pedir ajuda, o padre não hesita: "É a habitação, é o preço da habitação que esmaga a família completamente. A família fica incapaz de sobreviver".
São sobretudo casais que procuram ajuda. "Sem contratos de arrendamento - os arrendamentos são apalavrados -, de repente duas pessoas que recebem o ordenado mínimo ou um pouco mais veem passar a renda de 400 ou 500 euros para 600, 700 ou 800. A isto acresce tudo o resto: água, luz, comunicações e assim o casal fica completamente esmagado", exemplificou.
"Quando estou a falar destas situações de pobreza e de fragilidade social não estou a falar das situações que conheci há 30 e 40 anos de uma certa pobreza crónica, que se transmitia e que hoje em dia se transmite. Estou a falar da nova pobreza, que vai criar as condições necessárias para daqui a 10 ou 15 anos ter renovado e aumentado a pobreza crónica. Estou a falar de pessoas ativas que estão incapazes de cumprir as suas obrigações sem ajuda e que têm à disposição um leque de aparentes soluções que são os empréstimos", especificou.
"A partir daí a destruição é completa! Não pode emprestar-se dinheiro sem fazer um estudo económico da pessoa", defendeu o padre.
A igreja responde à complexidade das situações que lhe chegam disponibilizando ajuda imediata ao nível alimentar e de artigos tanto de higiene pessoal como para o lar. Fornece também medicamentos, material escolar, vestuário, calçado e ração para animais, esta última doada pelos supermercados quando as embalagens ficam danificadas.
Intervém ainda como mediadora com a Segurança Social ou as empresas fornecedoras de gás, água e eletricidade quando já há contas em atraso. O Centro Paroquial encaminha os casos que precisam de respostas às quais a igreja não tem meios para atender.
Uma equipa de 40 técnicos está envolvida neste tipo de apoio, que passa por tentar assegurar a renda para que as pessoas possam manter-se em casa.
A cidade, afirmou, "vê sair diariamente as pessoas em situação de fragilidade social".
"Se der uma volta pela cidade, perceberá que a maior parte das vivendas e casas está tudo ligado ao turismo. Em cada esquina encontra as ´guest house´", indicou durante uma entrevista realizada na igreja matriz, onde se recolhem bens que são depois levantados por quem precisa, de acordo com as necessidades e preferências.
Os preços das casas estão a forçar a saída de parte da habitual população residente. De acordo com o padre António Pires, verifica-se "uma purificação", no mau sentido da palavra.
"Está-se a emanar gente para o interior do concelho e do distrito de Setúbal. As pessoas tendem a largar esta parte mais litoral e ir para Corroios [Seixal], Moita, Barreiro, por aí, que é onde conseguem alugar uma casa ainda numa situação que lhes é acessível", sublinhou, observando que está em curso um movimento de "migração interna", propício à criação de guetos.
"O país vai ter uma estratificação social como nunca teve", alertou o pároco, que até professores universitários já encontrou em volta de caixotes do lixo. "Têm boas reformas, mas os filhos têm casas na Comporta e no Algarve, despesas excessivas", lamentou o sacerdote.
No ano passado, entre janeiro e novembro, os serviços paroquiais distribuíram um montante de 165.000 euros, a maior parte custeado pela Segurança Social, para apoiar o pagamento de rendas e outras despesas de caráter social. Só no mês de dezembro foram disponibilizados 23.423 euros para este fim.
A complexidade das situações exige um leque de respostas de igual complexidade, explicou. "Ou a instituição que os acolhe e ajuda tem resposta para a diversidade das questões que aquela pessoa enfrenta ou limita-se a ter a sopa do Sidónio, que era uma coisa que a gente teve há cem anos; ter uma sopinha, ter uma fila de pessoas à nossa porta, chamar a comunicação social e aparecermos como santos a dar de comer. Só que isso é ofensivo", declarou.
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