"É preciso alertar quer [cidadãos] nacionais, quer os nossos governantes, para a situação de extrema fragilidade em que vive um grupo de pessoas que é completamente invisível, mas que, ao mesmo tempo, é um grupo de pessoas que faz funcionar a cidade dentro do modelo de desenvolvimento baseado no turismo", disse à agência Lusa, Filipa Bolotinha, daquela associação.
A responsável da Renovar a Mouraria, que trabalha sobretudo na integração de migrantes no bairro da Mouraria e na cidade de Lisboa, lembrou que estes imigrantes, muitos deles altamente qualificados, são pessoas "que têm trabalhos precários e sem condições na restauração", que todos os dias "servem os outros e nem são vistas".
"Estamos conscientes da sua situação e interessados em discutir de uma forma mais séria o problema porque é muito importante valorizar o trabalho destas pessoas migrantes que acabam por alimentar o desenvolvimento da cidade", explicou.
Filipa Bolotinha falava na sequência do incêndio que deflagrou no sábado num edifício na Mouraria e que levantou novamente a questão da sobrelotação nas habitações naquela zona da cidade.
De acordo com a última atualização do Serviço Municipal de Proteção Civil (SMPC), até agora apurou-se que viviam no prédio em causa dois cidadãos belgas, dois argentinos, dois portugueses, três bengalis e 15 indianos.
O incêndio causou duas mortes, 14 feridos e deixou 22 desalojados, todos já com alta hospitalar.
As vítimas mortais são dois cidadãos indianos, um dos quais um jovem de 14 anos.
De acordo com Filipa Bolotinha, as situações de sobrelotação "já são identificadas há muito, no sentido em que se sabe que existem, embora não estejam mapeadas", um trabalho que a associação gostava de já ter feito, embora compreenda as "situações, por vezes, pouco transparentes em relação à situação em que vivem".
"Embora as condições sejam péssimas, a alternativa é muito pior, que é viver na rua. Portanto, são situações muito complexas de abordar", salientou.
Segundo a responsável, podem existir uma série de fatores que contribuem para a situação em si, como a gentrificação ou a especulação imobiliária que se vive atualmente e a dificuldade no acesso à habitação por qualquer pessoa.
"Hoje em dia, um arrendamento em Lisboa [é muito difícil e fica] agravado pelo facto de serem imigrantes. Mesmo que tenham alguma possibilidade económica em alugar um apartamento ou um quarto, os valores do mercado são sempre elevados e os próprios proprietários, como há uma grande procura, preferem sempre uma pessoa ou de nacionalidade europeia ou portuguesa face a migrantes que vêm de fora da União Europeia. Isso é uma realidade", afirmou.
Embora reconheça a falta de fiscalização existente, na prática considera que, por vezes, os próprios proprietários dos imóveis não sabem o que se passa exatamente: "a casa é alugada a uma pessoa e depois essa subaluga" a outros imigrantes.
"É uma pescadinha de rabo na boca. Acima de tudo, para nós, passa por dar visibilidade a estas pessoas e valorizá-las e dar-lhes proteção e condições", salientou.
Atualmente, a responsável adiantou que a associação dá apoio a cerca de 400 pessoas, "na empregabilidade, a fazer currículos, entre outros" e, nos últimos tempos, tem aumentado a procura de ajuda por parte dos imigrantes, salientando que todas as semanas aparece "gente nova".
Em declarações também hoje à Lusa, o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, disse que, pelo que apurou no local, o prédio é de um particular e alertou também para a realidade existente na freguesia que é a da "sobrelotação na maior parte das habitações".
"Há muitas casas nesta parte da cidade e na freguesia que estão ocupadas por cidadãos imigrantes. É visível que há uma exploração do espaço, uma exploração intensiva económica destes espaços", salientou.
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