O tema da desagregação de freguesias agregadas em 2013, através de um mecanismo excecional e transitório para corrigir situações causadas pela chamada "lei Relvas", não estava na agenda, mas acabou por dominar a reunião que o Conselho Diretivo da Anafre realiza hoje e sábado em Grândola.
O presidente da associação que representa as freguesias, Jorge Veloso, disse à agência Lusa que os autarcas ficaram desagradados com a decisão do grupo de trabalho parlamentar responsável pela análise dos pedidos de desagregação de freguesias, que, quando havia opiniões contrárias sobre qual o prazo limite para que os processos decorressem, decidiu que apenas seriam considerados os pedidos de reversão da reforma administrativa de 2013 que respeitaram o prazo de entrada no parlamento até 21 de dezembro de 2022.
O autarca socialista reiterou que a Anafre tem um parecer e opiniões de juristas "que entendem que o período a considerar é de facto 21 de dezembro, mas como início do processo nas Assembleias de Freguesias", bastando para tal que, até essa data, "tenha surgido um pedido para o presidente da Assembleia marcar uma Assembleia Extraordinária no sentido de apreciar um processo de desagregação".
"O nosso entendimento é que o prazo a respeitar é o de 21 de dezembro, mas como início do processo na Assembleia de Freguesia. Portanto, estamos aqui em contradição [com o grupo de trabalho parlamentar], mas o conselho diretivo [da Anafre], por unanimidade, decidiu hoje que, na nossa audição do dia 04 [de abril, no parlamento], transmitiremos efetivamente essa situação", disse Jorge Veloso, realçando que "há neste momento Assembleias Municipais que estão a debater pedidos de desagregação que já foram aprovados em Assembleia de Freguesia".
"Estamos contra isso e vamos explicar essa nossa situação na Assembleia da República", sublinhou.
O autarca disse que a Anafre não foi informada do número concreto de freguesias que pediram ao parlamento para reverter a reforma da chamada "lei Relvas", apesar de o ter pedido ao parlamento, e lamentou que a associação não tenha sido informada sobre "a decisão de que era esse o prazo que estavam a considerar", o que "foi um pouco desrespeitar um parceiro que o Governo teve e que a Assembleia teve para a apreciação da reforma".
"A nossa previsão apontava para que 300/400 freguesias - no máximo - pudessem desagregar-se, mas o que estamos a ver neste momento é que há pouca vontade para desagregar", considerou.
Na passada terça-feira, durante uma audição no parlamento à ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, a pedido do Chega, o deputado Pedro Cegonho (PS), que preside ao grupo de trabalho que está a analisar os processos de desagregação de freguesias, afirmou que a lei aprovada na Assembleia da República para a criação e extinção de freguesias "determina que pode haver um período excecional de correção da lei anterior, observados determinados critérios", e estabelece que o prazo para que as freguesias entregassem no parlamento os pedidos de reversão de agregações foi o de 21 de dezembro, já depois de terem a aprovação das assembleias de Freguesia e Municipal.
"Após o dia 21 de dezembro de 2022, [a AR] constituiu um grupo de trabalho para verificar os pedidos recebidos, a montante, das autarquias, pressupondo quer a legitimidade quanto às entidades que remeteram esse expediente, quer as deliberações prévias que têm que ter existido antes dessa data de 21 de dezembro de 2022, para agora fazer a sua avaliação da conformidade à lei 39/2021. É esse trabalho que está a ser feito", afirmou o deputado, que já presidiu à Associação Nacional de Freguesias (Anafre).
O prazo da lei dava 180 dias, até 21 de dezembro de 2022, para que as freguesias que o pretendessem pudessem requerer a desagregação, mas entretanto surgiram interpretações diversas.
A Anafre anunciou ter pareceres jurídicos que sustentavam que a lei indicava que bastava que o primeiro passo no processo fosse iniciado até 21 de dezembro.
O Governo tinha admitido clarificar a lei devido a estas interpretações, mas, no parlamento, a ministra Ana Abrunhosa remeteu para a competência exclusiva da Assembleia da República, e do grupo de trabalho criado, a interpretação e análise dos procedimentos.
Em 22 de dezembro do ano passado, fonte parlamentar disse à Lusa que, até ao dia anterior, pelo menos 185 freguesias agregadas em 2013 tinham pedido ao parlamento para se desagregarem, no âmbito do mecanismo especial criado para reverter a chamada "lei Relvas".
O regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias, que entrou em vigor em 21 de dezembro de 2021, prevê um mecanismo transitório que dava um ano às freguesias agregadas em 2013 para pedirem a reversão da fusão ao parlamento, depois de cumpridos formalismos nas Assembleias de Freguesia e Municipais.
Em 2013, Portugal reduziu 1.168 freguesias, de 4.260 para as atuais 3.092, por imposição da 'troika' em 2012, quando era responsável o ministro Miguel Relvas no Governo PSD/CDS-PP.
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