Depois da entrega do Prémio Camões a Chico Buarque, a celebração da Liberdade ganhou um novo catálogo de referências à sua "festa". Mas apesar das melhores tentativas de muitos em tornar o dia numa comemoração, o 49.º aniversário do 25 de Abril ficou marcado pela contestação atual e pelos raspanetes de Augusto Santos Silva, em duas sessões parlamentares rodeadas de controvérsia.
O dia esperava-se tenso e, quando Lula da Silva chegou à frente da Assembleia da República, podiam-se ouvir ambas as manifestações - uma de apoio e outra de protesto - no ruído de fundo. No interior, depois de um discurso do presidente da Assembleia da República com referências à ligação linguística entre "povos irmãos" e a Clarisse Lispector, foi a vez de o presidente brasileiro falar, finalmente, após semanas de polémicas e de debate em torno da pertinência da sua presença.
Como prometido, o Chega manifestou-se audivelmente contra a presença de Lula da Silva, mas talvez não fosse esperado tanto ruído, mesmo depois de a Sábado ter avançado que esta era uma tática bem planeada pelo partido de extrema-direita. Com pateadas nos tampos e cartazes nas mãos, André Ventura e os restantes deputados não esperaram sequer que Lula falasse mais de 30 segundos sem interrupções.
Também não foi esperada a reação de Augusto Santos Silva que, após praticamente um ano de admoestações em debates parlamentares, considerou que esta foi mesmo a gota de água e exaltou-se, erguendo o dedo para dizer "Chega".
"Os senhores deputados que querem permanecer na sessão plenária têm de se portar com a urbanidade, cortesia e educação que é exigida a qualquer representante do povo português. Chega! Chega de insultos! Chega de degradarem as instituições! Chega de porem vergonha no nome de Portugal!", disse o presidente da AR, sob a impassividade de presidente brasileiro, um sorriso contido do Presidente português, e os aplausos efusivos de todo o Parlamento.
Grande Augusto Santos Silva! Muito obrigado por nos representar a todas e a todos! @ASantosSilvaPAR pic.twitter.com/Ho7sTIUM4j
— Pedro Cegonho (@pedrocegonho) April 25, 2023
Santos Silva e Marcelo: dois tempos em ritmos diferentes
Após a saída de Lula da Silva, o Parlamento teve pouco tempo para respirar, antes de entrar numa nova sessão e numa nova onda de reclamações.
Todos os partidos - à exceção do Partido Socialista - primaram os seus discursos com avaliações ao estado do país e à maioria absoluta: Catarina Martins, na sua última sessão como líder do Bloco de Esquerda, disse emblematicamente que o Governo "não cuida da semente de abril"; Rui Tavares e PCP vincaram os riscos da nova extrema-direita para a democracia; e o PSD lamentou o "empobrecimento" dos últimos 25 anos.
Mas o momento mais marcante da sessão dos 49 anos do 25 de Abril foi, novamente, protagonizado por Santos Silva, que aproveitou os holofotes para dar um recado à direita e a Marcelo que, ao seu lado, tem vindo a sugerir uma dissolução da Assembleia da República.
Num longo preâmbulo sobre tempo democrático e ciclos, o presidente do Parlamento, eleito pelo PS, pediu que fossem respeitados os mandatos escolhidos pelos eleitores, preferindo uma "respiração pausada própria de uma democracia madura à respiração ofegante típica das excitações populistas, para benefício de todos".
Já Marcelo Rebelo de Sousa optou pela mesma melodia do tempo, mas num timbre bem diferente.
Marcelo também apelou que Portugal se responsabilizasse pelo colonialismo© Getty Images
O Presidente da República recordou a contestação popular ao Governo e sublinhou que, apesar dos diferentes caminhos que a democracia trilhou e pode continuar a trilhar, os passos são sempre dados ao ritmo do povo.
"Essa é a razão da nossa esperança, é o sabermos que verdadeiramente o supremo senhor do 25 de Abril, da democracia e da liberdade, e por isso efetivo garante da estabilidade, se chama há 50 anos povo. E o povo vai escolhendo, com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e com boa educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer. E mudando quando entende que deve mudar, ou mantendo se entende que deve manter - nem que seja para se arrepender, por quanto inovou ou manteve algum tempo volvido", explicou Marcelo.
"Foi bonita a festa, pá"
Independentemente do que se passou no Palácio de São Bento, o tradicional desfile na Avenida da Liberdade não desiludiu e, aliás, a massa humana presente surpreendeu muitos comentadores políticos. Nas redes sociais, foram várias as pessoas, habituadas às andanças do 25 de Abril em Lisboa, que notaram que a marcha de terça-feira esteve mais cheia do que o costume, com uma presença particularmente forte da população mais jovem.
Entre o Marquês de Pombal e o Rossio, dezenas de milhares de pessoas fizeram a descida de cravos na mão, cravos ao peito, cravos gigantes às costas e cravos nas coleiras dos cães. Os 'chaimites' do Movimento das Forças Armadas também estiveram presentes, como costume, e houve também lugar para alguns grupos mais recentes.
O STOP (Sindicato de Todos os Profissionais de Educação) protestou pela primeira vez na data, voltando a pedir o descongelamento das carreiras dos professores e mais medidas para a educação; os trabalhadores da Agência Lusa pediram melhores condições de trabalho para o jornalismo; e a comunidade iraniana apelou a mais apoio às mulheres que continuam a ser oprimidas pelo regime de Teerão.
No final, mesmo depois do fim das festividades oficiais, milhares de pessoas continuaram espalhadas pelo Rossio e pelas ruas em torno da praça, com o 'Grândola Vila Morena' a ser entoado repetidamente ao longo da tarde.
Pode ver as imagens da festa em Lisboa aqui.
Também no Porto, no Largo de Soares dos Reis - onde ficava a antiga sede da PIDE, a polícia política do regime salazarista - estiveram milhares de pessoas, que desfilaram pelas principais artérias do centro da Invicta até pararem na Avenida dos Aliados.
E, em Braga, houve também cortejo na Avenida Central e pela icónica Rua do Souto, com atores a aproveitarem o dia para distribuírem cravos aos passageiros dos autocarros que iam passando pelo centro da cidade minhota.
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