Em janeiro, o Tribunal Judicial de Leiria deu como provado que em agosto de 2021, numa praia do concelho, arguido e vítima, ambos menores à data, mantiveram relações sexuais, mas não deu como provado que a menor não queria e que pretendia ir embora.
Na fundamentação da matéria de facto, entre outros aspetos, o coletivo de juízes de Leiria referiu que o arguido "assume ter praticado coito vaginal com a menor", mas "nega que o tenha feito contra a vontade e sem o consentimento desta".
Reconhecendo que as declarações deste estão em "clara oposição com as declarações para memória futura prestadas pela menor" perante um juiz de instrução criminal por videoconferência, o tribunal admite que a presença do pai a assistir ao depoimento "poderá ter condicionado a espontaneidade e veracidade do mesmo".
Nessas declarações, a menor afirmou que ambos foram para as dunas de madrugada com uma sua amiga, assumindo não ter gritado ou chamado por esta, que estava "a uma distância de cerca de 10 passos", no decurso da alegada violação.
"Termos em que, à míngua de outros meios de prova direta, bastante, credível e suficiente, e perante a manifesta oposição das versões dos factos apresentadas pelo arguido e pela menor (...), impõe-se concluir pela aplicação do princípio do 'in dubio pro reo'", lê-se.
No acórdão deste mês do TRC, disponível em www.dgsi.pt, os juízes desembargadores notam que não está em lado nenhum do Código de Processo Penal que o depoimento de um arguido vale mais do que o de uma vítima.
Segundo o documento, se o Tribunal de Leiria tinha dúvidas quanto à "espontaneidade e credibilidade" das declarações para memória futura da menor, "impunha-se que chamasse a jovem a depor, a fim de dissipar qualquer dúvida".
Por outro lado, os juízes desembargadores salientam que "o facto de uma jovem ir às escuras para um local ermo com um rapaz não significa que vai consentir em qualquer ato ou avanço sexual".
"Estamos muito longe de aceitar a perversa ideia de que as vítimas só o são porque se predispuseram ao avanço do predador, quer por atos ou até por vestimentas", sustentam, acrescentando que "o facto de uma vítima não gritar alto que não quer uma cópula com alguém não significa que a aceite".
Já sobre o facto de a menor não ser virgem à data, o TRC responde: "Neste ponto, diremos que estamos perante um claro preconceito e desvalorização do dano por ela já não ser virgem".
Considerando ter existido um "efetivo erro de julgamento" pela 1.ª instância, o TRC alterou o rol de factos provados e não provados, revogou a decisão absolutória e julgou o arguido autor de um crime de violação agravado, condenando-o na pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova.
Ao arguido aplicou ainda as penas acessórias de proibição do exercício de funções que envolvam contacto regular com menores e proibição de confiança de menores, em ambas as situações por cinco anos.
O arguido é ainda condenado a indemnizar a vítima em 12.500 euros e a pagar as despesas hospitalares.
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