Não são médicos mas aplicam botox (e outros). Lei proíbe-o e há riscos

Há cada vez mais pessoas não qualificadas a fazer atos médicos, levando a um crescendo de queixas mas também a consequências físicas nos intervencionados.

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Marta Amorim
01/08/2023 11:10 ‧ 01/08/2023 por Marta Amorim

País

Intrusismo

Já ouviu falar em intrusismo médico? É bem possível que sim, uma vez que a prática, que não é mais do que profissionais não médicos e não qualificados a praticarem medicina - nomeadamente estética - está a sofrer um preocupante crescimento em Portugal. 

São procedimentos que, realizados por quem não tem formação médica, estão associados a uma taxa maior de complicações. Assim, são várias as entidades em Portugal que denotam o aumento de queixas sobre procedimentos feitos por não médicos. Na área da estética proliferam, com a ASAE a revelar que, até ao momento, instaurou já cerca de 90 inquéritos-crime.

Segundo a Ordem dos Médicos (OM), o intrusismo médico tem aumentado, "principalmente na área da Medicina Estética, porque a procura também tem aumentado".

"O sonho em prolongar a beleza juvenil e o embelezamento levam à procura de todos os meios para o obter", refere a OM em resposta ao Notícias ao Minuto.

A Medicina Estética é uma área médica, "como tal só pode ser efetuada por médicos, os únicos com formação apropriada para o diagnóstico, indicação terapêutica e capacidade técnica para a resolução de eventuais complicações que possam surgir", reforça ainda a entidade. 

A legislação existente é suficiente?

Segundo a Ordem dos Médicos, "a falta de supervisão e legislação adequada facilita a proliferação" desta tendência.

Diogo Figueiredo Gonçalves, membro-fundador, presidente do Conselho Fiscal e diretor do Departamento de Comunicação da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética (SPME), porém, discorda (em parte).

"Existe a ideia de alguma falta de legislação sobre esta matéria, mas a verdade é que há já regulamentação e bases jurídicas suficientemente densas para sustentar a posição tida pela Sociedade Portuguesa de Medicina Estética e aquela que tem também sido a atuação das autoridades públicas com poderes de fiscalização", assevera. 

"O Regulamento n.º 698/2019, emitido pela Ordem dos Médicos, bem como os Decretos-Lei 176/2009 e 177/2009 que regulam as carreiras médicas, definem quais são as competências dos médicos e permitem sustentar a posição de que as competências e as práticas da Medicina Estética são exclusivas dos profissionais da Medicina", lembra, acrescentando que já foram emitidos pareceres, nomeadamente pela Ordem dos Enfermeiros, relativamente ao trabalho dos Enfermeiros na área da Estética e particularmente à aplicação de Toxina Botulínica, "reconhecendo estas práticas como de competência médica e não dos enfermeiros".

Mais, declara, as próprias regras das boas práticas e da ciência médica - referidas muitas vezes como a leges artis -, "servem também para definir fronteiras na prática que a cada profissional cabe".

Dando dois exemplos bem conhecidos, a SPME considera "indiscutível" que a Toxina Botulínica, vulgo botox, por exemplo, é um medicamento, "sendo obrigatoriamente sujeito a receita médica, por definição do Infarmed". Já o Ácido Hialurónico, esse, pode conter lidocaína, um anestésico, "componente que o qualifica como medicamento e não como dispositivo médico".

"Mesmo que assim não seja, tribunais já entenderam que teria sempre de ser aplicado, pelo menos, com supervisão médica", afiança. 

Apesar de existirem várias leis e diretrizes sobre o tema, Diogo Figueiredo Gonçalves entende que a aprovação de legislação específica, "que venha clarificar esta situação, pode ajudar a consciencializar os operadores no mercado e a população", mas o essencial são as entidades políticas, fiscalizadoras, bem como o poder judicial "valorizarem este assunto como sendo um problema de saúde pública, tendo uma ação mais ativa e preponderante na defesa dos cidadãos".

Por sua vez, a Dra. Cátia Cascais Reis, especialista em medicina estética na My Clinique, em declarações ao Notícias ao Minuto, lamenta a proliferação de "produtos ilegais, sem as devidas certificações e sem garantia de qualidade e segurança que são vendidos a qualquer pessoa e sem controlo".

Representando "um grande risco para a saúde dos pacientes", a especialista assegura ser "importante apertar a fiscalização e punições neste âmbito".

Aumento exponencial nos últimos quatro anos. Esteticistas e enfermeiros lideram queixas

Ao longo dos últimos quatro anos, houve um aumento exponencial no número de denúncias, refere o SPME. No ano passado, garantem, foram analisadas 108 denúncias e em apenas 6 meses do presente ano foram já analisadas 77.

Destas denúncias, a maioria é relativa à prática de atos médicos - infiltração de ácido hialurónico e outros fillers, aplicação de toxina botulínica, remoção de lesões pigmentadas/melanociticas "que carecem de diagnóstico médico prévio face ao diagnóstico diferencial com lesões potencialmente malignas e lesões malignas".

Quanto às classes profissionais a que se dirigem as denúncias, lideram as queixas os esteticistas, seguidos de enfermeiros, dentistas e biomédicos. 

Botox, peelings e ácidos na mira da ASAE

Em resposta ao Notícias ao Minuto, a ASAE confirma que "tem vindo a receber denúncias provenientes de associações médicas, das ordens profissionais do setor, médicos, e de consumidores (em alguns casos lesados), tendo sido registados, até ao momento, cerca de 90 inquéritos-crime", resultando ainda na "apreensão de diversos dispositivos médicos, de equipamentos e de outros utensílios usados na prática da infração criminal, como medida cautelar destinada a impedir a prossecução do ilícito criminal".

Os atos médicos denunciados são, sobretudo, na área da estética.

Têm sido ainda detetadas situações de realização de um conjunto de procedimentos estéticos praticados por pessoas sem habilitações para o efeito (não-médicas) e em locais não autorizados para a prestação de cuidados de saúde, procurando a ASAE determinar se aqueles procedimentos são, ou não, classificados como atos médicos de medicina estética, ou seja, "atos que a Ordem dos Médicos considera, através dos seus colégios de especialidade, como devendo ser praticados exclusivamente por médicos ou, em determinadas circunstâncias, sob supervisão médica".

Estes procedimentos, refere um esclarecimento da ASAE, incluem a administração de medicamentos injetáveis, sujeitos a receita médica, o uso de técnicas invasivas sem o devido diagnóstico, prescrição e acompanhamento médico - como é o caso da administração da toxina botulínica (vulgo botox), o peeling químico (com utilização de compostos fenólicos ou ácido tricloroacético) - ou ainda o manuseamento de determinados dispositivos médicos (utilizados em atos médicos ou sob supervisão médica), como, por exemplo, bisturis elétricos, a aplicação de fios tensores para tratamento de laxidão cutânea, utilização de equipamento para a remoção de sinais ou verrugas, ou em bichectomias  (remoção de gordura das bochechas).

Como prevenir e saber se o médico é mesmo médico?

Segundo a dra. Cátia Cascais Reis, especialista em medicina estética na My Clinique, "os pacientes devem sempre certificar-se que estão perante um médico" e "esta informação deve estar disponível e acessível ao paciente"

Mesmo com a garantia do médico, a Sociedade Portuguesa de Medicina Estética considera "fulcral" que o doente pesquise o nome do profissional no website da Ordem dos Médicos.

Como? no separador 'médicos > médicos registados na Ordem dos Médicos'. "Além de confirmar que o médico em questão tem formação específica na área de Medicina Estética, deve-se também confirmar que a clínica onde se realizará o procedimento se encontra registada na Entidade Reguladora da Saúde", lembra a SPME ao Notícias ao Minuto

Como denunciar?

As denúncias, extremamente importantes para que as entidades competentes possam investigar as práticas irregulares em medicina estética, podem ser feitas através do Gabinete de Combate ao Intrusismo da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética, que encaminhará para a entidade competente. A denúncia pode ainda ser feita à ASAE e à ERS.

Leia Também: ASAE instaura 90 processos-crime por administração de botox sem licença

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