Quando se achava que a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) tinha terminado e que as polémicas em torno do evento e da Igreja Católica tinham tido um ponto final, eis que o nome da nova ponte pedonal da zona oriental de Lisboa gera uma nova controvérsia, depois de a Câmara Municipal revelar que a ia batizar de Ponte Cardeal Dom Manuel Clemente. Mas, afinal, o que está em causa?
Ponte Cardeal Dom Manuel Clemente? CML anunciou e Dom Manuel Clemente agradeceu
Tudo começou na última sexta-feira, quando a autarquia liderada por Carlos Moedas anunciou que a nova ponte sobre o Trancão, que liga os concelhos de Lisboa e Loures, iria chamar-se Ponte Cardeal Dom Manuel Clemente.
Em comunicado, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) afirmou que o nome da nova ponte, construída a propósito da JMJ e inaugurada em julho, era uma homenagem ao 17.º patriarca de Lisboa, que renunciou ao cargo após ter completado 75 anos. Carlos Moedas terá partilhado a escolha do nome com o autarca de Loures, Ricardo Leão.
Manuel Clemente não demorou a reagir e, numa mensagem enviada à Lusa, agradeceu "a generosidade" da CML, e também a Loures, e disse incluir no seu nome "todos quantos trabalharam na Jornada Mundial da Juventude".
Homenagem foi 'sol de pouca dura'. Nasceu a polémica, mas também as petições
No entanto, esta estava longe de ser uma escolha consensual. Poucas horas depois, no sábado, surgiu uma petição pública que pedia a alteração do nome da nova ponte.
Intitulada 'Petição pela alteração do nome previsto para a ponte Lisboa/Loures no Parque Tejo', a petição foi lançada através da rede social X (antigo Twitter) por Telma Tavares, autora dos cartazes em memória das vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja Católica que foram colocados em Lisboa, Loures e Algés durante a JMJ.
A petição invocava "a suposta laicidade do Estado" e questionava se a atribuição do nome de Manuel Clemente à ponte "pode ser vista até como uma ofensa e/ou desrespeito pelas mais de 4800 vítimas de abuso sexual por parte da igreja em Portugal". Pouco mais de 24 depois, a petição já tinha recolhido mais de 7.800 assinaturas e podia assim ser debatida no plenário da Assembleia da República.
Mas não era a única. No total, surgiram pelo menos quatro petições dirigidas ao município da capital, umas a favor e outras contra o nome da nova ponte. As petições contra o nome de Manuel Clemente para a nova ponte invocam, igualmente, a laicidade do Estado português e as suspeitas de encobrimento do cardeal dos abusos sexuais de menores na Igreja Católica portuguesa. Em contrapartida, as petições a favor da designação de Manuel Clemente advogam o seu exemplo como sacerdote e cidadão, "educado em sintonia com o Papa Francisco e com a atitude da Igreja Católica em combater todo e qualquer tipo de abuso no interior da Igreja".
Às petições juntava-se um coro de críticas. No domingo, por exemplo, a associação República e Laicidade manifestou-se contra a atribuição do nome de Manuel Clemente à ponte ciclopedonal, criticando a atitude "complacente e conivente" do cardeal nos casos de abusos sexuais pela Igreja Católica.
Partidos juntaram-se ao coro de críticas
Na política, a socialista Isabel Moreira foi também uma das primeiras a reagir, pedindo que fosse "revisto" o batismo. No sábado, Isabel Moreira considerou que "nomear uma estrutura no espaço público" é uma decisão que deve ser "participada" e que não deve criar "grandes divisões na população", defendendo que se devia "rever" o nome da nova ponte. Além disso, questionava ainda se o nome tinha sido votado.
O seu partido juntou-se, bem como o BE e o Livre na Câmara de Lisboa. Os partidos criticaram esta segunda-feira o incumprimento das regras de atribuição de topónimos relativamente ao nome do cardeal para a ponte ciclopedonal, anunciado sem votação prévia.
Após controvérsia, Manuel Clemente recusou dar nome a ponte
Mas o assunto podia estar perto de se resolver e de uma forma mais fácil. Face à polémica, Manuel Clemente veio pedir para que o seu nome não seja atribuído à ponte, segundo informou o patriarcado.
O Patriarcado de Lisboa informa que D. Manuel Clemente pediu para não se efetivar a atribuição do seu nome à ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão", refere um comunicado divulgado hoje, adiantando que o patriarca "agradece a atenção da Câmara Municipal de Lisboa, mas não quer, de modo algum, que a atribuição seja causa de divisão, ou que alguém se sinta ofendido".
Segundo a nota, "a Jornada Mundial da Juventude, quis ser, muito pelo contrário, uma ocasião de reencontro de todos, em favor de uma sociedade mais justa e solidária".
A Lusa questionou a Câmara de Lisboa sobre a decisão tomada pelo cardeal-patriarca, mas o município respondeu que não tem, neste momento, nada a acrescentar sobre o tema.
À mesma agência noticiosa, o PCP disse que "a questão colocada fica ultrapassada a partir dos desenvolvimentos entretanto ocorridos", com a decisão de Manuel Clemente recusar a atribuição do seu nome à ponte. A Lusa questionou também os vereadores do Cidadãos Por Lisboa, mas sem sucesso.
Já a Iniciativa Liberal (IL) saudou o cardeal-patricarca de Lisboa pela sua decisão e sugeriu que seja ponderada uma nova denominação: Ponte da Juventude.
A ponte tem cerca de 560 metros e liga os concelhos de Lisboa e Loures, sendo feita, maioritariamente, de madeira e aço.
A ponte destina-se a peões e ciclistas, integrando a rede de percursos ciclopedonais da região de Lisboa e ligando-a ao concelho de Loures.
A JMJ 2023 decorreu em Lisboa entre 1 e 6 de agosto, tendo juntado cerca de 1,5 milhões de jovens no Parque Tejo (Lisboa) para uma missa e uma vigília, com a presença do Papa Francisco.
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