"Apenas quatro vítimas indicaram, numa fase inicial, a vontade de ser indemnizadas. À data atual, em que este relatório é apresentado, algumas vítimas reportaram ter a intenção de analisar a possibilidade de pedir uma indemnização", pode ler-se no documento elaborado pelo grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas.
Entre os dados revelados pelo documento é possível constatar que mais de metade (56,4%) das vítimas nunca receberam apoio psicológico, enquanto 33,3% declararam ter tido esse acompanhamento. Entre as vítimas que indicaram ter tido apoio psiquiátrico, 61,5% sublinharam que assentou em medicação psiquiátrica.
De acordo com o relatório, a grande maioria (89,7%) das vítimas indicou que o agressor foi um sacerdote, com apenas outras quatro vítimas a apontar um leigo (como um catequista ou um seminarista) como o alegado abusador.
A idade mais frequente das vítimas no primeiro ato de violência sexual sofrido foi de sete anos de idade e a média de tempo decorrido entre a situação de abuso e assumir-se como vítima foi de 42 anos. Como explicação para esse intervalo de tempo são apontados os sentimentos de vergonha (64,1%) e de culpa (38.5%) pelas vítimas, que indicaram ainda que quase nunca o abusador reconheceu a agressão sexual, o que se verificou em apenas 5,1% dos casos.
"A maior parte das situações no contexto da Igreja aconteceram sobretudo no confessionário, seguindo-se a sacristia. Uma das vítimas refere o gabinete do padre. Para oito vítimas, a(s) situação(ões) abusiva(s) ocorreu(am) na casa do padre, na casa de férias do padre ou na casa paroquial. Para seis vítimas os factos ocorreram no seminário e em quatro situações no carro do agressor", explicita o relatório.
O Grupo Vita frisa que o impacto destes abusos reflete-se a nível físico, cognitivo, emocional ou comportamental, sobressaindo as consequências ao nível do isolamento -- o impacto mais reportado e agravado por mais de 40% das vítimas viverem atualmente sozinhas -, alterações de padrão do sono, disfunções sexuais, mudança nas crenças religiosas, raiva, vergonha, agressividade e tentativas de suicídio.
No relatório é possível ler ainda alguns testemunhos de vítimas sobre o que os alegados abusadores lhes disseram para justificar o que estava a acontecer. "Ele era mensageiro de Deus e dizia que se passasse mais tempo com ele, Deus ia curar-me", referiu uma das vítimas, enquanto outra contou que o abusador lhe explicou "que era a vontade de Deus, que era Deus quem queria".
Em termos de perfil, a maioria das vítimas são do sexo masculino (56%), com idades entre 19 e 74 anos, e predominantemente das regiões Centro (38,4%) e Norte (30,1%). Mais de metade das vítimas (59.0%) consideram-se católicas, a maioria está divorciada ou separada (41.4%) e, à data dos alegados factos, 71.8% destas pessoas viviam com a família (18% em instituição).
O Grupo Vita pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (91 509 0000) ou do formulário para sinalizações, já disponível no 'site' www.grupovita.pt.
Criado em abril, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.
O Grupo Vita surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.
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