O estudo da DisinfoLab teve por base relatórios de 20 Estados-membros da União Europeia (UE), incluindo Portugal, e foi feito por 45 especialistas, entre académicos e verificadores ('fact checkers'), com o objetivo de traçar um panorama da desinformação e "descrever e analisar os casos mais emblemáticos de desinformação, as narrativas recorrentes" nesses países.
A corrupção, lê-se no texto, "é uma das questões mais salientes no debate público português", sendo explorada "a perceção da desigualdade para espalhar mentiras".
O documento, publicado em dezembro, identifica ainda mais dois temas recorrentes na desinformação a circular em Portugal -- xenofobia e anti-imigração e a guerra na Ucrânia, predominantes na maioria dos países estudados.
Estes dados sobre a desconfiança dos portugueses são coerentes com a conclusão do Observatório Ibérico de Média Digitais e da Desinformação (Iberifier) de que a corrupção é o tema que mais motiva manipulação da informação em Portugal, num estudo publicado em junho, e não a xenofobia ou a anti-imigração, como acontece em vários países europeus estudados.
O panorama da desinformação em Portugal foi tratado por Filipe Pardal, diretor de operações do Polígrafo, jornal on-line de verificação, e por Inês Narciso, adjunta no gabinete do primeiro-ministro, que depois foi analisado pela equipa da DisinfoLab, uma organização não-governamental independente que estuda o fenómeno na Europa.
O relatório aponta que, "ao contrário de outros países europeus, ainda não foi identificada em Portugal nenhuma grande campanha nacional de desinformação, sistemática e organizada".
Mas o efeito da desinformação, muita dela importada, é visível nas redes sociais, que "são dominadas por partidos 'mais pequenos e mais radicalizados', que podem promover campanhas de desinformação no futuro, com um impacto considerável no ambiente digital".
O problema da desinformação, segundo o estudo, é agravado no caso português, por três vulnerabilidades: as dificuldades financeiras dos media, a precariedade dos jornalistas e o crescente desinteresse dos cidadãos pelas notícias.
O relatório apresenta ainda alguns dos casos mais emblemáticos registados em Portugal, como o episódio em que, durante a campanha eleitoral de 2019, um homem acusou o primeiro-ministro de estar de férias quando aconteceram os incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, a que António Costa reagiu irado. E esta foi eleita a mentira do ano de 2019 pelo Polígrafo.
A extrema-direita chegou ao parlamento português em 2019, com a eleição de um deputado do Chega, André Ventura, e, concluem Filipe Pardal e Inês Narciso, desde então, a "estratégia deliberada" de lançar "a desinformação para a praça pública portuguesa tem sido mais ou menos evidente".
Em 2022, o Polígrafo "atribuiu a 'mentira nacional do ano' às imprecisões e falsidades de André Ventura e da sua equipa parlamentar": "André Ventura faltou à verdade, foi impreciso e tirou do contexto informações cerca de 50 vezes (no Facebook, no Twitter, em entrevistas, debates e na Assembleia da República)."
Um exemplo? A falsa notícia sobre "milhares de inscritos na JMJ desaparecidos", no rescaldo da Jornada Mundial de Juventude, com o papa Francisco, em agosto de 2023, e partilhada com um grafismo idêntico ao da Rádio Renascença.
Outro caso de desinformação em Portugal foi o de uma publicação nas redes sociais que apresentava o país como o 33.º país mais corrupto do Mundo no Índice de Percepção de Corrupção de 2022, culpando os políticos e apelidando o país de "paraíso fiscal". Na realidade, o país estava entre os 33 menos corruptos numa lista encimada pela Dinamarca (menos corrupto) e com a Somália em último.
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