"Sou fotojornalista do Observador e foi-me diagnosticado 'burnout' e stress pós-traumático em meados de 2021 [...]. Desde março de 2020, o Observador contratou um psicólogo. Eu recorri a esse profissional, que me disse: tu tens de parar de trabalhar imediatamente ou daqui a um ano não estás aqui", contou o fotojornalista, que falava no 5.º Congresso dos Jornalistas, que decorre, até domingo, no Cinema São Jorge, em Lisboa.
O diagnóstico foi resultado do "vício desmedido e mal calculado" de querer estar em todo o lado e fazer tudo, mesmo o que era fisicamente impossível.
A isto soma-se o peso do próprio trabalho, nomeadamente, no caso de João Porfírio, o que foi desenvolvido durante a pandemia de covid-19.
"Todos os dias ia trabalhar sozinho. Foi-me atribuída uma viatura da empresa e fui a todos os pontos do país e fora. Fiz muitos trabalhos sobre a pandemia, estive muito tempo em hospitais, morgues e cemitérios [...]. Comecei a sonhar com a minha própria morte. Estava deitado num caixão e assistia ao meu próprio funeral", lembrou.
No fim desses trabalhos, o fotojornalista disse que não tinha vida pessoal, comida em casa ou o seu espaço organizado, apesar de "receber pancadinhas nas costas" e ver reconhecido o seu esforço.
"Não quero que tenham pena de mim ou dos vossos colegas. Não precisamos da vossa pena ou compaixão, precisamos apenas de um tempo para nós e para percebermos se precisamos de ajuda", referiu.
João Porfírio esteve três meses fora, "sem perder um único euro", e quando voltou a maneira de encarar a profissão teve que mudar drasticamente e ficou mais atento aos próprios sinais, nomeadamente à indiferença perante situações traumáticas.
No mesmo painel, dedicado ao tema "Jornalismo e Saúde Mental", o antigo jornalista José Carlos Marques recordou os últimos anos em que passou na profissão, com quatro ecrãs à frente.
"Viver na inquietação permanente transforma-se num hábito. Já tinha perdido a noção até do que era a minha função. Dava por mim a gritar por tudo e por nada", notou.
José Carlos Marques sublinhou que os leitores, sobretudo no 'online', não vão "picar a notícia mais importante", mas a do gato que saltou do 20.º andar e chegou cá abaixo inteiro.
"O facto de o jornalismo 'online' ser o primeiro meio de comunicação com audiências em tempo real subverteu isto tudo. Andamos sempre a correr atrás daquela notícia que nos dá mais cliques e isto contribui, em larga medida, para o stress que sentimos", avisou, destacando também a pressão externa e a banalização do trauma.
Temos a ideia de que "o jornalista é duro e resistente. Isto tem-nos levado ao extremo e a cometer excessos", rematou.
Por sua vez, a psiquiatra Luísa Sales, que pertence ao Observatório do Trauma, defendeu que a saúde mental dependente de condicionalismos pessoais e determinantes sociais.
"Não há saúde mental com ameaças de desemprego, crises económicas e com tudo o que interfere com a forma como a pessoa se vê a si própria e ao mundo que a rodeia", apontou.
Para a psiquiatra, este é um período de intervenção na crise e foi isso que "este congresso fez em relação aos colegas da Global Media, demonstrando uma rede de suporte. Não é um caso de 'burnout' [esgotamento], é mais grave do que isso".
Luísa Sales classificou ainda o jornalismo como "uma profissão de alto risco físico e mental", exemplificando com casos de profissionais que aos 40 anos têm enfartes de miocárdio.
Questionada sobre quais as pistas ou soluções para as doenças que podem surgir da própria profissão, a psiquiatra referiu ser importante "não perder a capacidade de ter esperança", explicando que a sensação de não ter alternativas "é a base de todas as patologias mentais".
Do lado da plateia que assistia ao debate, ficaram críticas às redações e chefias tóxicas, mas também um apelo para que haja preocupação com a saúde mental dos leitores, ouvintes e telespetadores.
Leia Também: Jornalistas noticiam situações laborais menos más que as que vivem