O Presidente da República enviou, esta sexta-feira, o decreto que altera a Lei da Nacionalidade para o Tribunal Constitucional (TC).
Em nota publicada no website oficial da Presidência da República, lê-se que o decreto foi enviado para o TC "chamando a atenção para que a alteração da Lei da Nacionalidade, com efeitos aplicáveis a processos ainda em curso, pode agravar a situação de reféns israelitas em Gaza que têm pendentes pedidos de concessão de nacionalidade portuguesa".
Tal pode "ser considerado atentatório dos princípios da confiança e da dignidade da pessoa humana, bem como até, objetivamente, do direito à vida, pois já foi libertada uma refém luso-israelita com base na sua nacionalidade portuguesa".
"O Presidente da República submeteu a fiscalização preventiva da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional aquele decreto da Assembleia da República, apenas e especificamente por causa do seu artigo 6.º", por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º e 18.º n.º 3, e 24.º da Constituição, lê-se na nota informativa.
A missiva inclui, ainda, o requerimento na íntegra, onde se lê que "o decreto em apreciação, no seu artigo 6.º, cria um novo regime especial aplicável aos pedidos pendentes de concessão de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas portugueses, introduzindo critérios suplementares para tal concessão" e que "com este novo regime especial, visa o legislador parlamentar sanar, com eficácia retroativa ou, ao menos, retrospetiva, a inconstitucionalidade, orgânica e material, do artigo 24.º-A do regulamento da nacionalidade".
"Este novo regime parece ainda violador do princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito, tal como consagrado no artigo 2.º da Constituição, tal como, pelos efeitos retroativos, violador da proibição de retroatividade de norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, constante do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição", diz, também, o requerimento.
Marcelo Rebelo de Sousa refere que correm nos tribunais "outros processos que invocam igualmente a inconstitucionalidade da norma em causa" naquele decreto-lei e que sustenta que nalguns casos "esse reconhecimento poderá representar o respeito pelo direito à vida".
No seu entender, o legislador está agora a "procurar sanar retroativamente essa inconstitucionalidade, intervindo, por via legislativa, em processos em curso nesses tribunais".
Por outro lado, Marcelo Rebelo de Sousa alerta que, "no contexto atual, a alteração em causa pode projetar-se na situação dos reféns israelitas e de outras nacionalidades, do Hamas, em Gaza, vários dos quais têm pendentes pedidos de concessão de nacionalidade portuguesa", referindo que "já faleceu em cativeiro um requerente da nacionalidade portuguesa ao abrigo da mesma lei".
O chefe de Estado argumenta que "a criação de obstáculos adicionais à concessão da nacionalidade portuguesa" nestes casos "pode mesmo ser considerada atentatória do princípio da dignidade da pessoa humana" e até, "objetivamente, do direito à vida".
O artigo 1.º da Constituição determina que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária" e o artigo 2.º que "a República Portuguesa é um Estado de direito democrático".
O n.º 3 do artigo 18.º impõe que "as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais", enquanto o artigo 24.º salvaguarda "o direito à vida".
Alterações aprovadas com votos contra do Chega e do PCP
As alterações à lei da nacionalidade foram aprovadas na Assembleia da República em votação final global em 05 de janeiro, com votos a favor da maioria dos deputados do PS, da IL, do BE, de PAN e Livre, abstenções do PSD e de três deputados do PS e votos contra de Chega e PCP.
Quanto à atribuição da nacionalidade por naturalização, estabelece-se no artigo 6.º, que "a certificação de pertença a uma comunidade de sefardita de origem portuguesa" passa a ser "sujeita a homologação final por uma comissão de avaliação nomeada pelo membro do Governo responsável pela área da justiça", com representantes dos serviços competentes, de investigadores ou docentes e representantes de comunidades judaicas.
Nos termos do mesmo artigo, podem requerer a naturalização os descendentes de judeus sefarditas que, além de demonstrar a pertença a uma comunidade de origem portuguesa, "tenham residido legalmente em território português pelo período de pelo menos três anos, seguidos ou interpolados".
[Notícia atualizada às 20h04]
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