Prestes a fazer 91 anos (em 02 de maio), doente e debilitada, a mulher que ficou conhecida por "Celeste dos Cravos" já não quer falar da revolução, passando agora a palavra à neta, Carolina Caeiro Fontela, para "retificar lacunas da história" que anos sucessivos de notícias têm perpetuado.
"Há muita gente que ainda pensa que foi uma florista [que deu um cravo a um soldado], mas a minha avó não era florista", disse a neta à agência Lusa, lembrando que Celeste trabalhava num 'self-service' no edifício Franjinhas, na Rua Braamcamp, em Lisboa.
Separada do marido, "por razões que nunca quis contar", e à época com a mãe e uma filha de 5 anos a seu cargo, a mulher, que "vivia numa casa humilde, sem rádio e sem televisão", só quando chegou ao emprego, no dia 24 de abril de 1974, soube que estava a haver uma revolução.
Nesse dia, contou Carolina, o 'self-service', que completava um ano, não iria abrir portas e o patrão, "que tinha mandado comprar cravos para oferecer aos clientes e decorar o espaço, disse aos funcionários que levassem um ramo cada um".
Celeste pegou no seu ramo de cravos - que, como ainda hoje faz questão de dizer, "eram vermelhos e brancos, que eram poucos, mas também eram brancos" - e decidiu que não iria para casa. Rumou ao Rossio para ver "o que há tanto tempo esperava que acontecesse".
Foi aí que perguntou a um soldado o que estavam ali a fazer e se precisava de alguma coisa.
O soldado, "de quem nunca soube a identidade, fez sinal de que queria um cigarro" e Celeste, que sofria dos pulmões e nunca fumou, deu-lhe antes um cravo, que o militar colocou no cano da arma e que acabaria por ser o símbolo da revolução.
Cinquenta anos depois, Celeste faz questão de, na quinta-feira, desfilar na Avenida da Liberdade, de cravo ao peito. Mas Carolina tem dúvidas: "Não sei se a saúde dela vai permitir e, para isso, era preciso arranjar uma cadeira de rodas, que ainda ninguém nos arranjou, porque nestes anos todos ninguém fez nada pela minha avó", lamentou.
Ao entusiasmo da avó pela revolução junta-se hoje a revolta da neta por "nunca nenhum organismo lhe ter dado o reconhecimento que ela merece, por nunca ninguém ter querido saber o que ela passou na vida".
A "Celeste dos Cravos" foi também a Celeste que em 1988 "perdeu tudo no incêndio do Chiado, ficou sem casa, sem fotografias, sem as recordações de uma vida", que se viu obrigada a mudar para uma casa onde "há mais de um ano está impedida de entrar porque o senhorio mudou a fechadura do prédio por querer aumentar as rendas", e que há 25 anos voltou a ter a sua história ligada ao 25 de Abril.
"Nas comemorações dos 25 anos toda a gente a chamou para dar entrevistas, andava de uma rádio para a outra, de uma televisão para outra, de metro, porque nunca ninguém a foi transportar. Ficou com um cansaço extremo e logo a seguir teve um AVC", afirmou Carolina, lamentando que "no dia 26 de abril já ninguém tivesse querido saber da Celeste".
Com graves problemas de visão, de audição e de locomoção, Celeste vive hoje em casa da filha e da neta, em Alcobaça (distrito de Leiria), "com uma reforma que não lhe permite comprar um aparelho auditivo de que precisa, ou uma cadeira de rodas". Mas, acrescentou a neta, "na quinta-feira, quando ligar a televisão, vai estar tudo de cravo ao peito, nos desfiles e na Assembleia da República".
Se nesse dia a saúde o permitir, no que depender de Carolina, também Celeste celebrará a revolução de cravo ao peito. Mas no peito da neta o que fica é a revolta pelo "sentimento de ingratidão de um país que dá tantas condecorações, faz tantos reconhecimentos públicos por parte do Governo e da Presidência", e onde "não houve nenhum organismo capaz de homenagear a Celeste dos Cravos enquanto ela está viva".
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