A perda recorrente de gravidez afeta cerca de 5% das mulheres grávidas em todo o mundo e estima-se que cerca de metade dos casos permaneçam sem explicação.
O estudo e tese de doutoramento de Diane Vaz pretende contribuir para a melhor compreensão, diagnóstico e direcionamento das mulheres que sofrem de abortamentos recorrentes, num trabalho de "afunilamento" que pretende dar respostas para "uma condição extremamente impactante para mulher e para o casal".
A perda gestacional ou o abortamento recorrente -- termo científico - é caracterizada pela perda de duas ou mais gravidezes consecutivas até às 24 semanas de gestão.
"É muito diferente dizer a uma mulher que tem esta condição, que não se sabe o porquê, ou dizer que tem esta condição, mas nós sabemos a causa e podemos estudá-la e percebê-la melhor", defendeu.
Este estudo, explicou à Lusa a investigadora da FMUP, é uma contribuição para tornar possível, do ponto de vista clínico e do aconselhamento genético, redirecionar estas mulheres, a quem não lhes é dada uma causa para a perda da gravidez.
Para avançar com esta investigação, a equipa da FMUP está a recrutar mulheres saudáveis, em idade reprodutiva, sem história de abortamentos recorrentes e com pelo menos um filho, que vão constituir "o grupo de controle" e servir de base de comparação com o grupo com diagnóstico de abortamentos recorrentes.
As voluntárias, explica, não serão submetidas a qualquer teste invasivo, leia-se, a uma biopsia ao endométrio. É apenas solicitada a colheita de amostras de fluido menstrual.
Estas amostras, que serão obtidas através de um copo menstrual disponibilizado gratuitamente, vão comparar células epiteliais do endométrio de mulheres saudáveis com as de mulheres que sofreram perdas recorrentes de gravidez, estas últimas recrutadas através da colaboração com o serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).
Para garantir resultados sólidos, a investigadora estima que sejam necessárias pelo menos entre 15 e 20 mulheres, por cada grupo.
A equipa da FMUP liderada por Sofia Dória, investigadora principal do projeto, vai focar essencialmente a sua investigação em duas famílias de retrovírus endógenos.
"Os retrovírus endógenos resultam de inserções ancestrais no nosso genoma, ou seja, um está presente no nosso material genético e é algo normal. É algo explicado pelo processo evolutivo, não é resultado de nenhuma infeção", explicou Diane Vaz.
Estudos preliminares mostraram que, comparativamente às mulheres saudáveis, estes retrovírus têm uma menor expressão no endométrio em mulheres com perdas recorrentes de gravidez, o que indica que estas famílias de retrovírus "devem ter funções vitais no endométrio, devem estar comprometidas e devem, por sua vez, causar estas perdas", conclui a investigadora.
O papel dos retrovírus no agravamento de doenças como a covid-19 foi já comprovado. Um estudo do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), divulgado, em 2021, concluiu que a presença do retrovírus endógeno humano da família K (HERV-K) está associada não só aos casos mais graves de covid-19, mas também à mortalidade precoce pela doença.
A descoberta abriu caminhos para novos tratamentos dos doentes atingidos mais gravemente pela infeção.
O HERV-K é um vírus ancestral que infetou o genoma humano quando humanos e chimpanzés começaram a distanciar-se na escala evolutiva.
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