Já a "confiança e familiaridade" foi reportada por mais de metade das vítimas (65,5%), bem como o recurso a estratégias de "engano, confusão, surpresa" (58,6%).
"De forma menos expressiva, identificam-se o 'aliciamento com recompensas' (afetivas, materiais ou outras) (21,7%), os 'comportamentos de duplo significado' (19%) e o 'aproveitamento da vítima na impossibilidade de resistir' (19%)", adianta o segundo relatório de atividade do Grupo VITA, criado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e que entrou em funcionamento em 22 de maio de 2023.
Com base no testemunho de 58 vítimas atendidas presencialmente ou 'online' pelo Grupo VITA durante o último ano, a equipa liderada pela psicóloga Rute Agulhas concluiu que "na quase totalidade das situações (91,4%), a pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa".
Em cinco casos, a pessoa agressora reconheceu o seu comportamento abusivo e pediu desculpa à vítima, mas uma das situações decorreu de uma decisão judicial.
Dos contactos com as vítimas, o Grupo VITA obteve ainda a indicação de que "o agressor frequentemente utilizava a religião como uma ferramenta de controlo e justificação para as suas ações" e que "a intimidação e o medo eram métodos centrais para as manter submissas e em silêncio".
Além disso verificava-se "manipulação emocional", com o agressor a alternar "entre promessas de afeto e pedidos de desculpa para confundir e controlar as vítimas".
"O uso da religião como ferramenta de manipulação, não só confere uma falsa legitimidade às ações do agressor, como também aprofunda os sentimentos de culpa e a responsabilidade nas vítimas. Este tipo de abuso psicológico cria danos graves nas vítimas, ao manipular as suas crenças religiosas fundamentais, tornando-as mais vulneráveis e menos propensas a pedir ajuda", sublinha o relatório.
Para o Grupo VITA, "a intimidação através do medo do Inferno ou de consequências divinas cria um ambiente de constante terror psicológico. As vítimas, temendo a punição eterna, são forçadas a manter o silêncio e a submeter-se à violência, reforçando a sensação de impotência e desesperança".
"A manipulação emocional, por sua vez, confunde as vítimas e cria um aparente vínculo emocional que dificulta a resistência. A alternância entre violência e aparentes demonstrações de afeto cria um ciclo de violência que aprisiona as vítimas num estado de confusão emocional, dificultando a quebra desse mesmo ciclo", adianta.
O Grupo VITA apresenta ainda a relação dos principais motivos para a não revelação dos abusos aquando da sua ocorrência.
O medo generalizado (46,6%), o medo de não ser levado a sério (36,2%), o medo de possíveis consequências (22,4%) são alguns dos motivos, a que acrescem a vergonha sentida pelas vítimas (60,3%) e o sentimento de culpa sentido pelos abusados (34,5%).
A equipa de Rute Agulhas aponta, ainda, que "em termos de impacto a curto, médio e longo prazo, é possível identificar um conjunto de alterações físicas ou psicossomáticas, cognitivas, emocionais e comportamentais" nas vítimas, nomeadamente alterações nos padrões do sono, dificuldades/disfunções sexuais, alteração ao nível das crenças religiosas, irritabilidade/raiva, vergonha, medo, tristeza, culpa, nojo, desamparo e desconfiança.
O Grupo VITA, liderado pela psicóloga Rute Agulhas, surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.
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