"Não é possível termos boas políticas públicas na área da procriação medicamente assistida [PMA], como noutros domínios, se não tivermos um conhecimento objetivo e rigoroso do que se passa neste momento", disse a presidente do CNECV, Maria do Céu Patrão Neves, em entrevista à Lusa, no dia em que passam cinco anos da entrada em vigor da lei que acabou com o anonimato nas doações para tratamentos de PMA.
Foi no dia 07 de maio de 2018 que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a inconstitucionalidade do regime de anonimato dos dadores e sobre o direito das crianças nascidas por PMA ao conhecimento da sua identidade genética, o que inclui a identidade civil do dador.
A revisão da Lei da PMA que daqui resultou determinou que os gâmetas (óvulos e espermatozoides) e os embriões doados antes de 2018 fossem destruídos, respetivamente no prazo de três e de cinco anos, no caso de o dador não ter entretanto autorizado o levantamento do anonimato.
O prazo para a destruição de gâmetas (óvulos e espermatozoides) doados sob anonimato, e não utilizados, terminou em 2022 e para os embriões expira hoje.
A Associação Portuguesa de Fertilidade lançou em junho uma petição pública para impedir a destruição dos embriões e o Bloco de Esquerda apresentou em julho um projeto de lei para alargar o prazo para a utilização de embriões e gâmetas doados sob anonimato, respetivamente para dez e cinco anos.
Maria dos Céu Patrão Neves defendeu que o debate público esclarecido sobre esta matéria exige informação ampla e verdadeira sobre o que está em causa, não bastando falar de prazos.
"Afinal, os gâmetas já terão sido destruídos e os embriões doados só residualmente são adotados, pelo que o impacto, hoje, nas listas de espera para a PMA não será significativo", afirmou.
Segundo dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, entre 2019 e 2021 foram doados 471 embriões e apenas 31 foram utilizados.
"Poder-se-á adiar, aumentar o prazo da norma transitória do ponto de vista jurídico, mas não vai resolver o problema de fundo", disse, salientando que o problema é não haver gâmetas suficientes para os candidatos a pais que chegam a esperar três anos no Serviço Nacional de Saúde para um tratamento de PMA.
Ao mesmo tempo, os embriões, que são doados quando os casais deixam que querer usá-los num projeto parental, continuarão a aumentar se não houver redução da sua produção, observou.
Maria do Céu Patrão Neves considerou, por isso, que "iniciativas desencadeadas em reação a alguns aspetos concretos de uma realidade complexa, sem uma visão ampla e profunda do setor" não resolvem problema algum, apenas o adiam, e não respondem às necessidades dos candidatos a pais.
Por outro lado, disse não ser "eticamente legítimo" fazer-se "uma pressão enorme" sobre dadores que, no passado, doaram os seus gâmetas sob anonimato.
"Foi ao abrigo da confidencialidade da sua identidade civil, que eles doaram. Agora não é legítimo, é coartar a sua liberdade individual, estar a pressionar para que levantem o anonimato", alertou.
Maria do Céu Patrão Neves alertou ainda para "a situação de discriminação" já real e a agravar-se com o alargamento dos prazos para a destruição de embriões.
"Crianças que hoje são nascidas com material biológico doado sob anonimato não terão acesso imediato à sua identidade genética, enquanto outras crianças, nascidas hoje ou mesmo ontem, com material biológico doado após o levantamento do anonimato (...) terão imediatamente acesso ao chegar à maioridade à sua identidade biológica", explicou.
Para a presidente do CNECV, importa perceber que esta é "uma grande oportunidade para pensar nos problemas reais" e tentar resolvê-los, através do aumento do volume de gâmetas disponíveis no SNS e da redução da produção de embriões.
Alertou para a necessidade de "um investimento efetivo e eficaz" nos serviços de apoio à reprodução humana, reforçando o Banco Público de Gâmetas, nomeadamente a sua capacidade de angariação, de armazenamento e de distribuição para que haja material biológico suficiente para satisfazer as necessidades.
"É preciso que haja uma cobertura geográfica destes centros de atendimento e com um horário amplo, flexível, para atender as pessoas que querem doar, porque neste momento nós sabemos que há mais doações nos centros privados do que nos centros públicos e importa contrariar esta tendência", defendeu.
Uma outra recomendação do CNECV prende-se com a necessidade de haver de recursos humanos especializados e dedicados em exclusivo a esta área das tecnologias reprodutivas para permitir que "o maior número de pessoas que desejam ser mães e pais o venham a ser".
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