"Quando ocorre qualquer alteração da saúde individual produzida por um factor externo, cuja responsabilidade recaia sobre terceiros, como, por exemplo, acidentes de viação/acidentes rodoviários, designadamente acidentes de transporte, incluindo atropelamentos, quedas em locais públicos e/ou privados, ofensas à integridade física e responsabilidade civil profissional, de acordo com o Direito Civil português, é possível desencadear um processo de indemnização cível para ressarcimento dos danos resultantes.
O objectivo desta indemnização, que configura uma “reparação”, no caso de evento traumáticos, é o de reestabelecer tanto quanto possível o equilíbrio destruído pelo dano e recolocar o Lesado/Vítima, a expensas da entidade responsável, na situação em que esta encontrar-se-ia se o facto produtor das lesões não tivesse ocorrido - “… reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” (cfr. Artigo 562.º do Código Civil).
Contrariamente aos acidentes de trabalho, caso a responsabilidade recaia sobre uma Companhia de Seguros não há obrigatoriedade desta em prestar cuidados de saúde/assistência médica. A procura de cuidados de saúde, incluindo tratamentos, nestes casos, é da responsabilidade do Lesado/Vítima.
Posteriormente, em sede própria, é solicitado o ressarcimento pelas despesas efectuadas e pelas alterações na integridade físico-psíquica individual e suas repercussões na vida do Lesado/Vítima, cabendo à Companhia de Seguros, nos casos de acidente de viação, apresentar uma proposta razoável de indemnização, de acordo com a Portaria 679/2009, de 25 de Junho.
Pese embora a Portaria 679/2009, de 25 de Junho permita a resolução “amigável” de um número considerável de casos, os valores nela referenciados são meramente indicativos e correspondem ao valor mínimo que o Lesado/Vítima deve receber a título de indemnização. Não raras vezes, os valores indemnizatórios finais vão muito além daqueles outros.
Peritagem médica
O recurso a uma peritagem médica independente em contexto de avaliação do dano corporal tem, em muitos destes processos, fundamental importância para os Lesados/Vítimas que pretendem estar devidamente informados e munidos de um instrumento técnico para alcançarem o melhor “acordo” ou, no caso de impossibilidade de “acordo”, para prosseguirem para Tribunal.
Em Direito Civil, todo o dano realmente existente, ainda que menor, é valorizável, ao abrigo das regras vigentes e utilizando o Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro. O ressarcimento dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) pode ser solicitado por duas vias: via extrajudicial e via judicial, sendo possível em caso de insucesso do primeiro, recorrer ao segundo.
Nos casos de acidente de viação é apresentada pela Companhia de Seguros ao Lesado/Vítima a proposta razoável para indemnização do dano corporal (pessoal), podendo esta ser recusada.
Que critérios podem ser usados para indemnização?
Não raras vezes, o Lesado/Vítima não recebe da Companhia de Seguros informação sobre os critérios utilizados para efeitos da proposta razoável de indemnização. Muitas vezes é proposto apenas um montante indemnizatório sem haver qualquer informação que permita o Lesado/Vítima compreender os cálculos e/ou o que está subjacente àquela no que ao dano corporal diz respeito.
O Lesado/Vítima pode exigir à Companhia de Seguros que clarifique os critérios utilizados para cálculo dos montantes propostos, o que, do ponto de vista legal, obedece a critérios específicos de valorização médico-legal do dano corporal.
No âmbito do Direito Civil são avaliadas as repercussões do acidente em diversos domínios da vida do Lesado/Vítima, nomeadamente laboral, estético, sexual e actividades desportivas e de lazer.
Verificação independente?
Face ao sentimento de desconfiança dos Lesados/Vítimas relativamente à postura de algumas das Companhias de Seguros, aqueles recorrem frequentemente a entidades independentes, sem relação directa ou indirecta com as seguradoras, para obtenção de uma opinião médica / peritagem médica de avaliação do dano isenta e imparcial.
Esta opinião deve ser assumida e materializada em documento escrito (relatório pericial), de forma a sustentar uma eventual contra-proposta feita pelo Lesado/Vítima à Companhia de Seguros, também como forma de tentativa de resolução extra-judicial do conflito. A via de resolução extra-judicial do conflito permite, não só, a agilização do processo, como evita a utilização de recursos e despesas desnecessários. Neste contexto, importará, pois, firmar um acordo que seja efectivamente justo.
Muitas vezes as Companhias de Seguros propõem aos Lesados/Vítima valores que “enchem o olho”, aparentando serem justos. Algumas aliciam os Lesados/Vítima a aceitar as quantias indemnizatórias propostas no intuito de poderem encerrar o processo. Por vezes, procurando “encerrar à força” o processo, utilizam manobras/estratégias eticamente reprováveis junto dos Lesados/Vítima.
Em certos casos, as Companhias de Seguros não realizam qualquer avaliação do dano corporal e/ou não apresentam qualquer valor indemnizatório, solicitando ao Lesado/Vítima que apresente uma peritagem/relatório de avaliação do dano corporal independente para apreciação daquelas.
O recurso a uma opinião médica/peritagem médica de avaliação do dano independente tem, antes de um eventual acordo, crucial importância para os Lesados/Vítimas que desejam estar devidamente informados e preparados para um eventual acordo que seja efectivamente justo.
Salienta-se que a eventual discordância da avaliação do dano corporal realizada pela Companhia de Seguros deverá estar devidamente suportada por outra avaliação do dano corporal, nestes casos, com relatório pericial devidamente elaborado/fundamentado (que cumpra as normas para elaboração de relatórios periciais de avaliação do dano corporal no âmbito do Direito Civil).
Note-se que, em Direito Civil, uma vez firmado acordo com a Companhia de Seguros, o processo não pode ser reaberto, salvo em situações excepcionais.
Note-se, também, que as Tabelas do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro estão para os Médicos, tal como a Portaria 679/2009, de 25 de Junho está para os Juristas.
Via judicial
Quando as partes recorrem à via judicial, qualquer uma delas pode requerer uma perícia/avaliação pericial, singular ou colegial (com três ou mais peritos representantes de cada parte, sendo possível a qualquer uma delas designar o seu Médico Perito), ficando a perícia condicionada à decisão e ordem judicial. Esta via é frequentemente considerada pelas várias entidades envolvidas como morosa, onerosa e desgastante.
Neste contexto, o Perito Médico designado pelo Lesados/Vítimas tem, também, especial importância, pelo que muitos Lesados/Vítimas designam o seu Perito Medico para integrar a perícia e eventuais perícias complementares.
Nos casos em que o juiz ordena a realização de perícia singular (apenas um Médico Perito designado pelo INMLCF - Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.), os Advogados das Partes - Companhia de Seguros e Lesado/Vítima - podem recorrer a um Médico Perito à sua escolha para, na qualidade de Assistente Técnico, prestar Assistência Técnica aos Advogados (cfr. Artigo 50.º do Código de Processo Civil). Também aqui o Perito Médico, interveniente na qualidade de Assistente Técnico, assume uma função muito importante (por vezes descurada).
Em âmbito judicial, depois de terminados todos os actos processuais / todas as diligências, caberá ao Juiz decidir.
Notas Finais
É muito importante que o Lesado/Vítima ou quem o represente, logo desde o início do processo, guarde cópia de toda a documentação relacionada com o processo de Acidente, incluindo a Participação do Acidente, eventuais Autos da Polícia e Documentação Clínica correspondente à assistência prestada no contexto do acidente em causa, nomeadamente Episódio(s) de Urgência, Relatórios Médicos, Exames Complementares de Diagnostico, Boletins de Incapacidade Temporária, Notas de Alta. Estes elementos são “preciosos” no âmbito de processos de responsabilidade civil, nomeadamente em contexto de Acidente de Viação / Acidente Rodoviário.
O Lesado/Vítima é o Titular de toda a documentação clínica que constitui o seu processo clínico, sendo o principal detentor do direito de acesso à documentação de cariz clínico que lhe diga respeito, nomeadamente a informação de saúde na posse das Companhias de Seguros e/ou Unidades de Saúde, sejam estas públicas ou privadas. [cfr. Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro; Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro; Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto).
No âmbito do Direito Civil avalia-se, tridimensionalmente (lesão, função e situação), a afectação na integridade psico-física do indivíduo.
Em Direito Civil, uma vez firmado acordo com a Companhia de Seguros, o processo não pode ser reaberto, salvo em situações excepcionais."*
* artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.
Texto da autoria de Pedro Meira e Cruz, Director da Best Medical Opinion - Pareceres Médicos & Perícias Médicas