A Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, negou, esta quarta-feira, ter-se recusado a prestar esclarecimentos e garantiu que sempre esteve disponível para ser ouvida na Assembleia da República, "não tendo pedido em momento algum o adiamento" da audição.
"Desde o primeiro momento manifestei total recetividade quanto à aceitação do convite endereçado por esta comissão, não tendo pedido em momento algum o adiamento desta mesma audição. Apenas me limitei a sugerir que, estando este relatório [de atividade do Ministério Público] em fase avançada de elaboração, a audição pudesse ter lugar quando o mesmo relatório estivesse já concluído - sugestão que foi aceite", afirmou, perante os deputados, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Lucília Gago sublinhou, aliás, na sua intervenção inicial, que "esta é a quarta vez desde o início" do seu mandato é ouvida na Assembleia da República, recordando que foi ouvida em 2019 no âmbito do furto de material militar em Tancos, em julho do mesmo ano numa audição sobre violência doméstica, e novamente em 2021 numa audição sobre a diretiva dos poderes hierárquicos em processo penal.
"Quando alguns falam em necessidade de prestação de contas, insistindo que esta magistratura e os seus elementos, nem sua cúpula, estão dispensados de prestarem contas - naturalmente assim é e assim tem ocorrido", afirmou, acrecentando que "tal é evidenciado pela atividade inspetiva a que os magistrados estão sujeitos".
Ouvida a propósito do relatório de 2023, mas também na sequência de vários processos mediáticos, a Procuradora-Geral da República mostrou-se surpreendida pelo "súbito interesse" no relatório anual de atividades do Ministério Público (MP), uma vez que o documento "tem sido todos os anos publicitado, divulgado, e é a primeira vez que um Procurador-Geral é questionado diretamente sobre o tema".
Lucília Gago justificou o atraso na entrega do relatório em causa com as "greves que têm decorrido por parte dos senhores funcionários judiciais, independentemente da justeza das reivindicações". "Mas esse fator é o motivo que atrasou a recolha de dados", explicou.
"Os magistrados do Ministério Público fazem um enorme esforço, por vezes dantesco, para levarem por diante a sua missão, num quadro deficitário, sendo também muito deficitário o quadro de funcionários, não obstante as insistentes, - e insisto - as insistentes sinalizações nesse sentido realizadas relativamente à situação extrema que se vive nos tribunais, para a qual há anos veementemente vimos chamando à atenção", adiantou.
Rever "lei das escutas" pode fazer cair "investigações", diz PGR
A Procuradora-geral da República alertou para o risco de uma eventual revisão da lei de recurso a escutas fazer cair algumas investigações judiciais, sublinhando que o número de interceções telefónicas diminuiu nos últimos anos.
"A opção existe e é óbvio que pode ser alterada, ainda que consideremos que a lei, tal como está, está bem. O Ministério Público [MP] apenas recorre a escutas quando justamente e de forma criteriosa percebe que elas são essenciais", começou por dizer Lucília Gago, complementando: "Se for outra a opção do legislador, algumas investigações poderão vir a soçobrar. É bom que não tenhamos qualquer dúvida".
PGR sai do Parlamento sem concretizar quem orquestra campanha contra MP
A Procuradora-Geral da República acabou por sair do Parlamento sem concretizar o que afirmou sobre uma alegada campanha orquestrada contra o Ministério Público e também não se referiu ao caso que atingiu o ex-primeiro-ministro António Costa.
Ao longo de hora e meia de audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, os deputados, do PCP ao CDS-PP, com exceção do Chega, pediram a Lucília Gago para concretizar o que dissera, designadamente quem e com que objetivo está envolvido numa campanha contra o Ministério Público.
O deputado do PCP António Filipe abordou também o caso da Operação Influencer, que provocou em novembro passado a demissão de António Costa das funções de primeiro-ministro, perguntando, diretamente, até quando se prolonga a investigação, mesmo que, aparentemente não tenham sido detetados crimes.
Porém, nas duas intervenções de fundo que fez perante os deputados -- e apesar da insistência na questão da alegada campanha orquestrada -, a PGR optou por não responder. Frisou, isso sim, que, ao contrário do que foi noticiado, esta foi a quarta e não a primeira vez que se deslocou ao parlamento para prestar esclarecimentos.
Lucília Gago não reconheceu problemas de ordem estrutural e recusou a existência de corporativismo no Ministério Público. A PGR defendeu que as detenções por tempo excessivo são casos excecionais e avisou até que uma eventual alteração à lei que regula as escutas pode fazer soçobrar um conjunto de investigações. No caso das fugas ao segredo de justiça, lamentou que o Ministério Público apareça em certos setores com presunção de culpa e advogou que esse tipo de campanha interessa a arguidos e respetiva defesa.
[Notícia atualizada às 13h03]
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