Esta foi uma das ideias de reflexão deixadas por Nuno Garoupa, que, 'online' e a partir dos Estados Unidos, participou no debate 'Governação e Administração da Justiça', organizado pelo Conselho Superior de Magistratura (CSM).
O debate teve como referência a apresentação do livro "Organização do sistema judicial e jurisdição" da autoria do juiz conselheiro Nuno Coelho.
Neste debate centrado nas últimas duas décadas da justiça portuguesa, Nuno Garoupa defendeu que, retrospetivamente, os "grandes problemas da justiça vêm de trás", como a morosidade, excesso de litígios, falta de juízes e organização dos tribunais, embora "nem tudo" tenha corrido mal nos últimos 20 anos, designadamente na justiça cível com a redução de processos pendentes.
Em sua opinião, um dos grandes problemas da justiça de hoje assenta na Jurisdição Administrativa e Fiscal, considerando que esse problema já era previsível há 20 anos com mudanças legislativas que anunciavam maior litigância na área fiscal.
Este interveniente no debate assinalou ainda problemas relacionadas com os recursos e as manobras dilatórias nos processos, bem como com o funcionamento de algumas jurisdições especializadas, nomeadamente da Concorrência.
Criticou ainda que o legislador português em vez de concretizar uma reforma mais profunda e alargada da justiça prefira reformas de "pequenos passos", o que o levou a dizer que "a Justiça é uma casa permanentemente em obras".
A arbitragem e a crescente privatização da justiça, a digitalização dos tribunais "sem grandes ganhos de produtividade" e a previsão que perante a falta de recursos humanos na justiça "não vai haver" mais meios sem crescimento económico, foram outros assuntos e pistas trazidos por Nuno Garoupa que elogiou o livro de Nuno Coelho por servir de "guião" de reflexão sobre a justiça.
Também Luis Azevedo Mendes, vice-presidente do CSM, deixou várias ideias sobre o papel dos juízes e da importância das novas tecnologias, mas talvez a mais importante tenha sido a de manifestar publicamente na sessão o apoio desta magistratura a que os oficiais de justiça tenham um novo Estatuto profissional digno, dado o seu papel crucial no funcionamento dos tribunais.
Este gesto de solidariedade do vice-presidente do CSM foi manifestado com a presença na sala do presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, António Marçal, que está a negociar com o Ministério da Justiça o novo Estatuto da classe que há muito é reivindicado.
O debate contou ainda com intervenções da constitucionalista Raquel Brízida de Castro, que falou sobre as dificuldades dos cidadãos em recorrer e verem apreciadas as suas questões pelo Tribunal Constitucional, e do juiz desembargador Manuel Ramos Soares, que reconheceu ser cada vez mais difícil esperar um diálogo entre poder político e juízes para uma reforma da justiça, isto apesar de, enfatizou, "a justiça precisar de uma reforma".
O ex-presidente da Associação Sindical de Juízes criticou o "modelo de recrutamento" dos juízes pelo Centro de Estudos Judiciários, dizendo que o mesmo está ultrapassado, "não recolhe os melhores candidatos" e "não os prepara adequadamente". Este sistema, em sua opinião, precisa de ser revisto "de alto a baixo".
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