Açores. "É urgente criar políticas de conservação [do mar] mais robustas"

António e Fátima lançaram o projeto ElasmoBase no início do ano, nos Açores, para dar "resposta às necessidades de mais dados e estudos sobre os elasmobrânquios" no arquipélago.

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© Instagram ElasmoBase / @wtvbia_

Natacha Nunes Costa
01/10/2024 12:08 ‧ 01/10/2024 por Natacha Nunes Costa

País

Açores

O mar dos Açores é conhecido mundialmente por ser um dos maiores tesouros do mundo a nível da biodiversidade de espécies subaquáticas. Não é por isso de estranhar que, recentemente, tenha sido considerado pelo presidente do arquipélago, José Manuel Bolieiro, "o principal ativo para o desenvolvimento futuro da região".

 

No entanto, há muito a fazer pela conservação das suas espécies. E é aí que entram projetos como o ElasmoBase, nascido no início de 2024, "em resposta às necessidades de mais dados e estudos sobre elasmobrânquios nos Açores, para já no Grupo Oriental", como explica Fátima Neira, uma das responsáveis pelo projeto ao Notícias ao Minuto.

O objetivo do ElasmoBase é criar uma base de dados colaborativa envolvendo empresas marítimo-turísticas, pescadores e investigadores, de forma a recolher e analisar informações sobre as espécies de elasmobrânquios (tubarões, raias, jamantas) e a sua ecologia para "melhorar a compreensão e necessidade de conservação destes animais" no arquipélago.

"Os pescadores têm respondido de forma bastante positiva, geralmente demonstrando boa vontade em colaborar e responder às nossas questões. As empresas marítimo-turísticas, na maioria dos casos, também colaboram fornecendo dados e, algumas vezes, até ajudam com a logística. No entanto, é crucial que as políticas de preservação evoluam para responder às novas necessidades de conservação — apenas conservar pode já não ser suficiente. Seria ideal que os organismos regionais e nacionais se envolvessem mais, pois sem o seu apoio, não há uma possibilidade real de alcançar uma proteção efetiva. Sem conhecimento, não há compreensão e como tal, não é possível proteger. Por isso, a ciência é a chave para uns ecossistemas marinhos saudáveis e cheios de vida", salienta, por sua vez, António Sabuco, outro dos responsáveis pelo projeto, ao Notícias ao Minuto.

Para já, Fátima e António Sabuco apenas estão a fazer este trabalho nas ilhas de São Miguel e Santa Maria, mas esperam "expandir a metodologia para outras ilhas nas próximas fases do projeto".

Apesar de ainda ser cedo "para tirar conclusões definitivas devido ao curto período de recolha de dados", os investigadores já sabem que esta é uma área "de alto interesse ecológico com uma elevada diversidade de espécies, o que sugere que estas águas possam albergar áreas de berçário ('nursery areas'), ou pontos de interesse na migração para várias espécies de elasmobrânquios. Assim sendo, é essencial continuar com a investigação e pesquisa que nos dão informações cruciais para a conservação".

A grande prioridade, como relatam, "deve ser intensificar os esforços de pesquisa e monitorização para entender melhor as populações e dinâmicas das espécies marinhas locais", assim como "é urgente criar políticas e estratégias de conservação mais robustas, que incluam a colaboração efetiva de todas as partes interessadas — pescadores, empresas, investigadores, e autoridades locais e nacionais. São necessários mais recursos e uma maior cooperação regional e nacional para proteger efetivamente a biodiversidade marinha nos Açores".

Raias e jamantas têm "papéis únicos e cruciais"

Normalmente, as raias e jamantas são "esquecidas pelos humanos", em comparação com os tubarões, porém, "desempenham papéis ecológicos únicos e cruciais" nos ecossistemas marinhos do arquipélago açoriano, como realça António Sabouco.

"As jamantas, por exemplo, são importantes para o movimento vertical de matéria e energia nos ecossistemas marinhos, movendo nutrientes entre diferentes camadas de água e em diferentes localizações quando migram. Já as raias são fundamentais, entre outras coisas, para a ressuspensão do sedimento e da matéria orgânica no fundo do mar, disponibilizando alimento para outras espécies. A presença de ambas ajuda a manter a saúde e o equilíbrio dos ecossistemas marinhos dos Açores", nota.

Mais tubarões nos Açores? "São necessários estudos"

Este ano, nas redes sociais, surgiram mais relatos de avistamentos de tubarões ao longo da costa das ilhas dos Açores e foi até foi filmado um tubarão branco (espécie rara na região) no Banco Princesa Alice, localizado no Grupo Central do arquipélago.

No entanto, para Fátima Neira "é difícil afirmar com certeza se houve um incremento real na população" desta espécie nas águas açorianas, uma vez que "várias variáveis podem influenciar essa perceção, incluindo uma maior atenção a estes animais nas redes sociais e meios de comunicação, maior monitorização da vida marinha ou mudanças nos comportamentos das espécies".

"Embora o aumento da observação possa parecer significativo, é necessário realizar estudos mais aprofundados e sistemáticos para obter dados que confirmem ou refutem um verdadeiro aumento populacional", afirma.

Contudo, tal como muitos residentes apontaram durante o verão, é verdade que "o aumento dos avistamentos pode ser influenciado por mudanças na temperatura da água, disponibilidade de presas e padrões migratórios", uma vez que, segundo a responsável, "temperatura elevada pode atrair tubarões para áreas mais quentes" e "este verão, a temperatura da superfície esteve mais alta do que o habitual".

Relembram os investigadores que, mesmo que haja um aumento de tubarões na região, isso não é motivo para alarme. 

"Somos muito mais perigosos para eles do que eles para nós"

"Os tubarões são predadores de topo que desempenham um papel crucial no equilíbrio dos ecossistemas marinhos e não devem ser considerados como ameaças agressivas para os seres humanos. Os ataques de tubarões são extremamente raros e, quando ocorrem, geralmente são resultado de um comportamento exploratório ou um erro no reconhecimento/identificação da presa. A consciencialização e o respeito são fundamentais para minimizar o risco de encontros indesejados. De facto, é entre 10 e 15 vezes mais perigoso um coco, que um tubarão (10-15 vezes mais mortes por ano por queda de cocos na cabeça do que por tubarões)", explicam, acrescentando que "nós somos muito mais perigosos para eles do que eles são para nós".

Em causa está, principalmente, a sobrepesca e a degradação do seu habitar, que já acabou com "mais de 70% da população de tubarões no oceano". "Sem estes animais, todo o ecossistema está em risco, e por isso é essencial preservá-los", enfatizam.

Que tubarões existem nos Açores?

Nos Açores, a fauna de tubarões inclui várias espécies "notáveis", explica António Sabouco ao Notícias ao Minuto

Entre elas, a tintureira (Prionace glauca) e o mako "riquim" (Isurus oxyrinchus), tubarões pelágicos. O tubarão-frade (Cetorhinus maximus) e o tubarão-baleia (Rhincodon typus), que são tubarões filtradores que se alimentam de plâncton e pequenos organismos, "desempenhando papéis importantes na regulação dos ecossistemas marinhos. Todos eles grandes espécies migratórias".

Entre outras espécies "de interesse", estão ainda o cação (Galeorhinus galeus), um tubarão de fundo que sobe "às águas rasas para se reproduzir", e o tubarão martelo (Sphyrna zygaena), "de hábitos mais costeiros".

"Nenhuma destas espécies representa um perigo real para o humano, pois não fazemos parte do que eles consideram presas", esclarece António Sabouco, acrescentando que nem os tubarões brancos, que são das "espécies mais conhecidas e infames" e "grandes predadores", "demonstram interesse no ser humano".

"É importante mencionar que esta espécie tem hábitos pelágicos, o que quer dizer que habita águas abertas, e não zonas costeiras ou balneares. Tendo isto em conta, temos de perceber que espécies como estas são grandes predadores no seu meio, e que devemos tratá-los com o respeito que merecem", conclui.

Leia Também: Mais tubarões nos Açores? "Efeito redes sociais. Dados apontam declínio"

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