"[Que] não se trate estas situações como mais uma, sazonalmente, mas que se levem a sério. Infelizmente, nas vítimas de alguns tipos de crimes, nomeadamente destes, a sua forma de vitimização muitas vezes não é levada a sério e é questionada", afirmou à agência Lusa o psicólogo e assessor técnico da APAV Daniel Cotrim.
Na semana passada vieram a público, através da partilha de testemunhos nas redes sociais, denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico, nomeadamente na área da música, em particular no jazz.
Ao Notícias ao Minuto, uma das queixosas, Liliana Cunha, cujo nome artístico é Tágide, revelou ter apresentado uma queixa às autoridades contra o pianista de jazz João Pedro Coelho.
Em uma semana, Liliana recebeu, numa plataforma entretanto criada para que as vítimas possam denunciar casos de crimes sexuais no meio musical, 85 queixas de crimes que vão do assédio sexual de menores à violação, passando pelo stalking (perseguição) e stealthing (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a).
Para a APAV, "é importantíssimo isto vir à luz do dia. É fundamental as mulheres, os homens, as pessoas que sofrem este tipo de situações falarem sobre elas".
"Mas é fundamental que se perceba o que acontece a seguir, qual é o verdadeiro andamento do ponto de vista da Justiça relativamente a estas questões. O que é que mudámos em Portugal do ponto de vista jurídico e legal. É bom, mas não chega apenas tornarmo-nos intolerantes a este tipo de situações", disse Daniel Cotrim.
Para a APAV, é preciso "haver verdadeiros canais de denúncia e bem organizados" e que não desmotivem as vítimas a darem o passo de divulgarem o que lhes aconteceu.
"O que nós sabemos é que nalgumas situações em que existem canais de denúncia, estes podem não ser sentidos pelas vítimas como seguros, porque não sabem quem é que vai ver a sua denúncia ou queixa e isto é assustador para as vítimas", alertou o psicólogo.
A APAV lembra que as organizações, empresas, instituições, escolas e outras entidades são obrigadas a ter códigos de conduta "que combatam o assédio, as formas de violência, o assédio moral".
"Do ponto de vista das organizações, locais, instituições onde estas situações acontecem o que é que mudou? Que mecanismos passaram a existir que libertam as pessoas do medo da denúncia do medo da exposição, que só conseguem expor-se quando percebem que são mais de duas. E percebemos que são sempre muitas", sublinhou o psicólogo.
Para esta associação, é preciso ainda saber "o que é que o Estado vai fazer para apoiar as vítimas".
"Temos um crime ou formas de crime ou formas de vitimação que queremos legislar como crimes. O que é que o Estado vai fazer para apoiar as vítimas? Não chega dizer que isto é um crime, é preciso a fase seguinte", afirmou.
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