A diretora do Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria, Ana Isabel Gouveia Lopes, foi ouvida, esta terça-feira, na comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso das gémeas luso-brasileiras que foram tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma.
Questionada sobre o envolvimento que teve no processo, a diretora clínica afirmou que "foi na sequência do contacto da secretária pessoal [Carla Silva] do senhor secretário de Estado [da Saúde] à época", dizendo que foi contactada "primeiro por telefone" e depois "por e-mail" e que lhe foi solicitada "uma consulta de neuropediatria e uma avaliação clínica para duas crianças (gémeas) com diagnóstico de uma patologia específica".
Ana Isabel Gouveia Lopes explicou ainda que o "conteúdo do telefonema foi sobreponível ao e-mail" e que a informação passada pela secretária de Lacerda Sales era que "o fazia em nome do secretário de Estado". Quando questionada se tinha dúvidas de que era um pedido feito pelo secretário de Estado respondeu: "Foi essa a minha interpretação".
Para a diretora de pediatria do Santa Maria, o pedido foi "absolutamente excecional", dizendo ainda que não foi feita qualquer menção a Lacerda Sales e que a própria também não o indagou.
"Na minha carreira, de 40 anos, nunca tinha tido uma solicitação desta natureza", considerando-a "atípica, fora do comum", tendo então recorrido ao seu superior hierárquico, o diretor clínico Luís Pinheiro.
Ana Isabel Gouveia Lopes contou que falou com o "superior hierárquico", transmitindo "o conteúdo da informação e a solicitar orientação", afirmando que reencaminhou o e-mail que havia recebido de Carla Silva e enviou "uma mensagem" onde mencionava que tinham "uma solicitação para duas crianças com este diagnóstico e solicitando orientação" que foi teve "uma resposta positiva" e que havia "concordância e autorização para agendamento da consulta solicitada".
A diretora afirmou ainda que "tem noção que o circuito de referenciação não correspondia às normas institucionais em vigor" e que não houve um cumprimento da portaria para a marcação de consulta.
"Todo o processo de colocação, indicação, aprovação e validação passou pelo Conselho de Administração", explicou.
Uma outra questão colocada foi acerca das gémeas terem sido apelidadas de "meninas do presidente", respondendo que só teve "conhecimento dessa menção através dos média" e que "nunca, em circunstância alguma, tive esse conhecimento". Ana Isabel Gouveia Lopes quis ainda esclarecer: "Nunca falei ou fui contactada ou tive conhecimento relativamente a algum membro do Governo ou da Presidência da República".
Ana Isabel Gouveia Lopes disse ainda que "não ocorreu qualquer tipo de imposição" à doutora Teresa Moreno e que da parte da médica não houve "qualquer manifestação de oposição ou de dissonância" quanto a tratar as gémeas, revelando ainda que Teresa Moreno terá dito que havia "alguma pressão, insistência, por parte dos familiares".
Em resposta à comissão de inquérito parlamentar, a diretora de pediatria do Hospital Santa Maria realçou que "nenhuma criança ficou por tratar, não havia lista de espera".
A Assembleia da República tem protagonizado, nos últimos meses, uma comissão parlamentar de inquérito ao caso das duas gémeas luso-brasileiras que receberam tratamento com o medicamento Zolgensma no Serviço Nacional de Saúde, estimando-se que este será o medicamento mais caro do mundo, no valor de dois milhões de euros.
De recordar que se suspeita que as bebés terão tido um acesso privilegiado ao medicamento, com recurso a influências na esfera política, em que são suspeitos o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, e o antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales.
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