Michelle Anderson, natural do Connecticut, Estados Unidos, tinha 12 anos quando, em 1975, a mãe lhe sugeriu que tentasse encontrar uma amiga por correspondência para "aprender sobre outros países". E assim fez: girou o globo e encontrou três lugares, um deles uma cidade perto de Moura, no Alentejo, onde vivia Leonor Drago. Deste então, criou-se uma amizade que dura há décadas.
"Tem sido uma ligação muito boa", disse Michelle à CNN Travel. "Tem sido divertido. Não consigo imaginar que ela não faça parte da minha vida, e a família dela também."
Leonor contou que a carta de Michelle foi entregue primeiro a outra rapariga, que não se interessou pelo assunto. Como estudavam na mesma escola, a carta acabou por chegar às suas mãos.
"Eu disse-lhe: 'Mostra-me'", recordou Leonor à CNN Travel. "Ela disse: 'Não a quero'. E eu respondi: 'Não queres? Eu quero. E foi o início."
Leonor respondeu à carta de Michelle e rapidamente descobriram que tinham muito em comum, mas falavam, sobretudo, de "cultura pop". "Quer dizer, éramos raparigas de 12 e 15 anos, por isso lembro-me de falar apenas dos filmes que tínhamos visto e talvez do livro que eu estava a ler, ou do programa popular na televisão", contou Michelle.
Após anos a trocarem cartas, as amigas combinaram uma visita de Michelle a Portugal, que "não foi tarefa fácil". "Demorei três anos a juntar dinheiro, fazendo de ama a 50 cêntimos por hora", contou.
No entanto, quando se aperceberam do objetivo de Michelle, os pais das crianças que tomava conta decidiram aumentar-lhe o salário de 50 cêntimos para um dólar por hora.
Finalmente, a 7 de agosto de 1980, cerca de cinco anos após ter enviado a primeira carta, os pais da norte-americana deixaram-na no Aeroporto Internacional JFK, em Nova Iorque.
"Nunca tinha viajado de avião", explicou. "E tinha 17 anos, portanto estava entre o primeiro e o último ano do liceu... Não sei bem como é que tudo se concretizou", admitiu.
"Mas quando dei por mim, estava num avião e a passar três semanas contigo", disse Michelle a Laura.
No dia do encontro, ambas decidiram levar algo que as ajudasse a reconhecerem-se: cada uma levou uma fotografia da outra na mão.
Nas duas semanas seguintes, Michelle acampou com a família de Leonor no Algarve e chegou a fazer uma viagem de barco até Espanha. Nesse período, a norte-americana ficou impressionada com as "oliveiras por todo o lado", mas horrorizada quando lhe serviram atum fresco num restaurante.
"Não sabia o que comprar. E depois reconheci a palavra 'atum'", disse, explicando que até então só tinha comido 'atum em lata'. "Imagine a minha surpresa quando o atum veio com a cabeça cheia e um olho a olhar para mim".
Já Leonor disse que ficou surpreendida quando a amiga decidiu ir tomar banho depois de jantar. "Em Portugal, pensa-se que não é bom tomar banho depois da refeição", explicou Leonor à CNN Travel. "Temos de esperar duas horas até podermos tomar banho... Bem, agora também tomo banho depois do jantar."
As férias terminaram e Michelle regressou aos Estados Unidos, sem nunca deixar de falar com Leonor. E as cartas continuaram durante a faculdade, o início de carreira, o casamento e a maternidade.
"Quando os filhos nasceram, não parámos", disse Leonor, acrescentando que depois, com o avanço da tecnologia, começaram a enviar e-mails uma à outra.
"Uma carta aleatória em 1975 levou a uma ligação para toda a vida", sublinhou Michelle.
Ainda tentaram voltar a encontrar-se, mas a rotina do dia a dia e os salários baixos em Portugal não ajudavam. Só em 2020 é que voltaram a planear um novo encontro, que foi adiado devido à pandemia de Covid-19.
Em 2022, Leonor viajou para os EUA com o seu marido, Filipe, e visitou Michelle e a sua família em Rhode Island. "Era um dos meus sonhos", disse.
Apesar de não terem nada marcado, Michelle e Leonor esperam encontrar-se novamente em breve. "Esperamos que não passem 40 anos outra vez", disse a norte-americana, acrescentando que, talvez, visite Portugal em 2026.
Atualmente, Laura e Michelle já não escrevem cartas, mas mantêm a amizade através de mensagens de WhatsApp, onde enviam frequentemente fotografias uma à outra.
Leia Também: "No bolso sem saber". Ganhou um milhão e só descobriu 15 dias depois