No início de abril, na sequência da entrada em funções do novo Governo, a farmacêutica Ana Paula Martins substituiu o médico Manuel Pizarro como ministra da Saúde e, antes do prazo prometido de 60 dias, apresentou o Plano de Emergência e Transformação na Saúde, composto por 54 medidas urgentes, prioritárias e estruturantes a implementar a curto, médio e longo prazo.
A recuperação das listas de espera cirúrgicas de doentes com cancro e a criação da linha SNS Grávida foram duas das medidas com resultados mais visíveis do plano, o qual não foi, porém, suficiente para resolver um dos problemas crónicos do SNS: os constrangimentos no funcionamento e o encerramento parcial de serviços de urgência por falta de médicos para completar as escalas de serviço.
À semelhança de anos anteriores, o verão de 2024 ficou marcado pela instabilidade nas urgências, principalmente nas de obstetrícia/ginecologia e pediatria, que levaram mesmo Ana Paula Martins a alertar que os gestores hospitalares tinham de garantir uma gestão eficaz dos recursos humanos, alegando que "não podia acontecer" o encerramento de 17 serviços como no último domingo de agosto.
A falta de médicos de família, outro dos problemas crónicos do SNS nos últimos anos, oscilou ao longo de 2024, passando das 1.647.700 pessoas sem um especialista de medicina geral e familiar atribuído em janeiro para os 1.566.436 utentes no final de outubro.
Ainda no que se refere aos médicos de família, o Governo aprovou em junho um decreto-lei que passou para as Unidades Locais de Saúde (ULS) a responsabilidade pelos concursos de novos especialistas, mas, perante atrasos que se verificaram nas colocações, recuou poucos meses depois e voltou a centralizar o recrutamento na Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).
Já ao nível da organização, 2024 foi um ano de profundas mudanças no SNS, com a generalização no país de 39 ULS, cada uma a juntar numa gestão única os hospitais e os centros de saúde da sua área, e das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B, em que os profissionais de saúde são remunerados também em função do seu desempenho. Este novo modelo de funcionamento levou à extinção das Administrações Regionais de Saúde (ARS).
Este ano o SNS assistiu também a mudanças em dirigentes de topo, desde logo na Direção Executiva, com a demissão em abril de Fernando Araújo, alegando que não queria ser obstáculo ao Governo nas políticas e nas medidas que considerasse necessárias implementar, e que foi substituído pelo médico militar António Gandra D´Almeida.
No início do verão, foi a vez do então presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), Luís Meira, apresentar a demissão, por "quebra de confiança na atual tutela", devido ao processo de contratação do serviço de helicópteros de emergência.
Para o lugar de Luís Meira, o Ministério da Saúde escolheu Vítor Almeida, mas o médico acabou por não aceitar o cargo dias depois. Perante essa recusa, foi nomeado interinamente o militar Sérgio Dias Janeiro, que teve de enfrentar, em novembro, uma crise que colocou em evidência a falta de recursos humanos no instituto.
Duas greves em simultâneo - da administração pública e dos técnicos do INEM às horas extraordinárias -- levaram à paragem de dezenas de meios de socorro e a atrasos significativos no atendimento das chamadas para os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU).
A ministra da Saúde chamou a si competência direta do instituto que estava delegada na secretária de Estado da Gestão da Saúde e Sérgio Janeiro considerou ter condições para se manter no cargo, apesar de ainda não serem conhecidos os inquéritos abertos às mortes alegadamente associadas a falhas no socorro do INEM.
A nível laboral, 2024 fica marcado por várias greves dos profissionais de saúde, que exigem a revisão das carreiras, a valorização salarial e medidas para reter a atrair profissionais para o SNS, outra das dificuldades crónicas do serviço, mas também por um acordo entre o ministério e uma plataforma de cinco sindicatos de enfermeiros, que prevê aumentos de 20% até 2027.
Nesta reta final, o SNS prepara-se para mais um teste à capacidade de resposta dos hospitais para enfrentarem o aumento da procura provocado pelas infeções respiratórias próprias do inverno, a que se junta um tradicional período de férias dos profissionais de saúde.
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