A falha é apontada no relatório da comissão para o acompanhamento da implementação das estratégias de prevenção da prática do assédio nas instituições de ensino superior, publicado e apresentado hoje numa sessão que decorreu na Reitoria da Universidade de Lisboa.
O relatório resulta de um inquérito respondido por 33 instituições de ensino superior públicas (91,7%), 41 privadas (67,2%) e 27 instituições de investigação e desenvolvimento de gestão autónoma (51,9%).
De acordo com as conclusões da equipa, que olhou para as instituições de ensino superior e instituições de investigação e desenvolvimento, quase todas disponibilizam canais de denúncia, na sequência de uma lei de 2021, que estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações.
No entanto, esses canais são sobretudo genéricos e o número de instituições com canais de denúncia específicos para participar casos de assédio moral ou sexual é relativamente baixo, explicou a coordenadora da comissão.
"O próprio artigo da lei de 2021 não remete para violações no domínio dos direitos humanos", referiu Sara Falcão Casaca.
Outra das fragilidades apontadas pela comissão está relacionada com a forma como as instituições dão seguimento às denúncias recebidas, uma vez que cerca de 75% no caso do ensino superior e 66% no caso das unidades de investigação adotou um canal de denúncia associado a uma comissão interna.
"Em casos tão sensíveis, a tramitação tem de ser diferente", defendeu a coordenadora, ressalvando que não está em causa a idoneidade dos elementos nomeados internamente, mas a necessidade de garantir algum distanciamento, possível apenas com uma comissão externa, e a segurança das vítimas dentro do sistema.
Por outro lado, cerca de 25% das universidades e politécnicos não tem respostas de apoio psicológico para vítimas de assédio e violência sexual e no caso das instituições de investigação e desenvolvimento esse tipo de reposta é inexistente na maioria (56%).
Além dos canais de denúncia, quase todas as instituições já adotaram um código de conduta e boas práticas para a prevenção do assédio, mas em cerca de um terço esse documento não abrange toda a comunidade académica e científica.
Pouco mais de metade divulgou o código de conduta e, no âmbito da divulgação da informação, a comissão refere ainda que poucas instituições prestam informação à comunidade sobre como atuar perante uma conduta de assédio e sobre os procedimentos consequentes à apresentação de denúncia.
O relatório identifica ainda a necessidade de reforçar a capacitação em torno do tema do assédio, uma vez que, apesar de a maioria ter realizado ações de sensibilização, menos de um quarto foi mais longe e desenvolveu iniciativas de formação.
De acordo com o estudo, o número de denúncias disparou sobretudo a partir de 2022, altura em que foi divulgado um relatório do Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que reportava 50 queixas de assédio e discriminação e que desencadeou dezenas de denúncias em outras instituições.
No período analisado, entre 2019 e 2023, foram apresentadas 151 denuncias de assédio moral, 41 de assédio sexual e 26 de assédio moral e sexual, sendo que, nesse caso, a maioria resultou em processos disciplinares.
"Quanto mais investirmos em formação, quanto mais eficientes e confiáveis forem os mecanismos ao dispor da comunidade académica, mais denuncias teremos. É um processo absolutamente necessário. Não é possível ter estratégias de prevenção e combate eficazes se não conhecermos o fenómeno", sublinhou Sara Falcão Casaca em declarações aos jornalistas, reconhecendo que o aumento de denúncias pode refletir a cada vez maior informação disponível, "mas ainda há muito por desocultar neste sentido".
A comissão para o acompanhamento da implementação das estratégias de prevenção da prática do assédio nas instituições de ensino superior foi constituída em maio pelo atual governo, substituindo a comissão criada em março de 2023 para a elaboração de uma estratégia de prevenção do assédio.
[Notícia atualizada às 14h32]
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