"Se o problema é dar o primeiro passo" para uma reforma da justiça, "permitam-me que seja eu a fazê-lo", declarou José Pedro Aguiar-Branco no discurso que proferiu na sessão solene de abertura do ano judicial e que antecedeu o do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Um discurso em que especificou duas áreas em concreto que podem ser objeto de consenso após essa reunião de trabalho: A digitalização e a revisão dos prazos para a prática de atos processuais.
Na sua intervenção, o antigo ministro social-democrata da Justiça e da Defesa referiu que falou recentemente com o presidente do Supremo Tribunal, João Cura Mariano, para juntos convocarem uma reunião de trabalho sobre o futuro da justiça.
"Poderíamos chamar-lhe muitas coisas, conferência, debate, Estados Gerais ou até cimeira da justiça, mas a justiça não precisa de mais conferências, nem de encontros. A oferta já é muita e o marketing é o menos relevante. Aquilo que a justiça precisa mesmo é de uma reunião de trabalho - e é isso que faremos, já no mês de fevereiro, na Sala do Senado", disse.
Nessa reunião de trabalho, segundo José Pedro Aguiar-Branco, serão convidados representantes dos diferentes agentes do sistema judicial e também os grupos parlamentares, pretendendo-se que seja um momento para se encontrarem pontos de convergência.
"Gostava que, desta reunião de trabalho, pudéssemos extrair dez propostas simples, dez mudanças com as quais todos concordamos e que possam servir de base para uma revolução cultural na Justiça", salientou.
A primeira área de consenso por si proposta é no sentido de se avançar na digitalização, porque "nos tempos que correm não há qualquer razão para um cidadão ou uma empresa não ter acesso efetivo e em tempo real aos seus processos, ao ponto de situação, aos trâmites e, sendo caso disso, à razão da respetiva demora ou prolongamento".
"Será um significativo contributo para ultrapassar uma cultura de opacidade e de incerteza, que empurra o cidadão para a descrença no estado de direito", considerou o presidente da Assembleia da República.
A segunda área alvo de convergência, de acordo com antigo ministro da Justiça, deverá passar pela definição, "de uma vez por todas, de prazos razoáveis para a prática dos atos processuais, com regras aplicáveis a todos os agentes da justiça e consequências justas e equilibradas na tramitação dos processos".
"O pior que pode existir, um dos fatores que maior dano causa ao prestígio da justiça e, como tal, mais corrói a sua credibilidade, é a absoluta incerteza, ainda hoje, dos tempos da justiça. Não é aceitável que a aplicação da justiça se desvaneça na completa perda do efeito útil das decisões. Não podemos viver conformados com isto, como se de uma inevitabilidade se tratasse", advertiu.
No seu discurso, o presidente da Assembleia da República deixou avisos sobre as consequências de uma ausência de reforma da justiça, assinalando que "o mundo mudou, mas o sistema judicial não tanto quanto o necessário".
"Ao longo dos anos, houve inúmeras oportunidades para reformar a Justiça. Inúmeras. E todos sabemos disso. O que não sabemos é quantas mais oportunidades teremos. Quantas vezes vamos poder dar-nos ao luxo de não agir, de deixar a tarefa para as gerações seguintes. Pelo mundo fora, os ventos são claros: Quem não reforma é reformado, quem não transforma é transformado, quem não apresenta soluções torna-se parte do problema", alertou.
Aguiar-Branco disse depois acreditar que "os agentes da justiça não são inimigos, não têm de desconfiar uns dos outros" e observou que se "exige uma maior abertura e partilha entre as classes forenses".
"Mas não só. A dimensão de regime da matéria em causa, convoca, também, os representantes de todos os órgãos de soberania, incluindo o parlamento, de onde emana o poder legislativo que constitui a massa agregadora de todo o sistema", indicou.
Pela sua parte, deixou uma garantia de empenhamento nessa reforma da justiça.
"Nesta matéria, eu sou uma parte interessada. Pelas funções que exerço. Como presidente da Assembleia da República, órgão máximo de representação da vontade executiva do povo, sou mandatário do cidadão, com um acrescido compromisso com ele", acrescentou.
[Notícia atualizada às 16h20]
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