No discurso na cerimónia de abertura do ano judicial, que hoje decorreu no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, apontou limitações ao sistema Citius, a plataforma eletrónica dos tribunais.
Criticou sobretudo a integração nesse sistema de ferramentas direcionadas para a fase de inquérito, aquela que é responsabilidade do Ministério Público (MP), acusando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) de criar dificuldades que "se traduzem numa situação, no mínimo, insólita".
Segundo Amadeu Guerra, os inquéritos posteriores a junho de 2023 do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) estão alojados num servidor externo à Procuradoria-Geral da República (PGR), "sem qualquer controlo efetivo dos acessos aos dados ou auditoria técnica, por parte da PGR, relativamente ao acesso à informação registada".
"Não nos podemos conformar com a situação atual e queremos que os inquéritos do DCIAP e dos DIAP [departamentos de investigação e ação penal] -- com informação sensível e mediática -- estejam sob o nosso controlo e não sob o controlo do IGFEJ, entidade dependente do Ministério da Justiça. É uma questão de princípio e não implica qualquer desconfiança concreta em relação às pessoas que ocupam cargos no Ministério da Justiça ou no IGFEJ", disse Amadeu Guerra.
O Procurador-Geral da República disse esperar que o Governo garanta que são os responsáveis pelo tratamento dos dados - no caso a PGR e o Conselho Superior da Magistratura (CSM) - a decidir onde são armazenados.
"Sendo a informação da responsabilidade dos Tribunais (CSM e PGR), não faz qualquer sentido que uma pessoa coletiva pública (IGFEJ), tutelada pelo Governo, interfira sobre a autonomia e independência de um órgão de soberania, em violação de princípios basilares e estruturantes do Estado de Direito Democrático. Por isso, a situação descrita terá de ser revertida", defendeu.
O presidente do SMMP, Paulo Lona, em reação ao discurso, concordou com o líder do MP, defendendo que os dados da justiça não podem estar dependentes da tutela política.
"Concordo integralmente com o que foi dito pelo PGR, obviamente que as bases de dados do sistema da justiça, o SMMP já o vem afirmando há muito tempo, devem estar na dependência dos Conselhos Superiores, quer da Magistratura, quer do MP e da PGR. Os dados da justiça não devem estar dependentes de um instituto, como é o caso do IGFEJ, que depende diretamente do Ministério da Justiça", disse.
Alertou ainda que a implantação da tramitação eletrónica dos processos na fase de inquérito "vem trazer problemas acrescidos, quer de segurança aos dados da Justiça e aos dados dos inquéritos, quer da própria tramitação do inquérito, porque o Citius é um sistema informático que já está datado no tempo, (...) desatualizado e que não é capaz de dar resposta às necessidades do MP".
Para Paulo Lona, "a primeira questão que se coloca é a confidencialidade, mas não é a única", apontando a necessidade de interoperabilidade entre sistemas, nomeadamente com os das polícias.
"Pode haver aqui ganhos de produtividade grandes com um sistema próprio do MP e o Citius não garante essa interoperabilidade, não garante essa eficácia, não garante essa segurança dos dados", disse.
Já Nuno Matos, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), concordou com a necessidade de garantir um melhor e maior acesso à magistratura, um problema apontado por vários intervenientes na cerimónia de hoje, lembrando que as mudanças legislativas que o parlamento vai agora discutir na especialidade estavam consensualizadas há muito tempo.
Apontou ainda a proposta da estrutura sindical para melhorar a bolsa dos auditores de justiça (candidatos a magistrados na fase de formação), lembrando que por enquanto a formação no Centro de Estudos Judiciários está concentrada em Lisboa -- enquanto não abrir o polo de Vila do Conde -- o que "tem custos muito altos e a bolsa não chega claramente para isso".
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