Numa carta aberta enviada na quinta-feira ao parlamento, a APU - Associação Portuguesa de Urbanistas considera que as propostas socialistas "acautelam melhorias quanto a vários aspetos materialmente relevantes no que respeita ao ordenamento do território, à transparência e à participação pública", mas reitera a preocupação com as possibilidades de reclassificação de solos rústicos em urbanos.
"Mantém-se a possibilidade de reclassificação de solo rústico para urbano quando esta se destine à provisão de habitação para trabalhadores agrícolas, o que se a?gura desadequado e desproporcional, criando o risco de `guetos´ e prejudicando a coesão social (integração de trabalhadores migrantes com a população local) e a coesão territorial se essas reclassificações de uso do solo ocorrerem nas explorações agrícolas ou genericamente desenquadradas dos aglomerados urbanos e rurais", adverte, defendendo uma melhoria do diploma a este nível.
Esta associação de urbanistas considera também que, "tendo agora todos os sistemas da Reserva Ecológica Nacional (REN) ?cado excluídos, também a Reserva Agrícola Nacional (RAN) deveria manter-se integralmente fora do âmbito do regime excecional de alteração dos Planos Diretores Municipais (PDM)".
Deve-se ainda, refere, refletir sobre como adequar a REN e a RAN ao atual contexto do sistema de gestão territorial, às tecnologias de delimitação existentes e aos desafios contemporâneos, como a segurança alimentar e a adaptação a alterações climáticas.
A APU sustenta ainda que a "parametrização de cálculo de habitação a custos controlados atualmente em vigor não viabiliza a promoção de habitação neste regime por entidades privadas".
Para a associação, mesmo com as alterações propostas pelo PS, "há pressupostos, não confirmados, de inexistência generalizada de solos urbanos para prover a satisfação de necessidades de habitação pré-identi?cadas" e também não estão identificados os concelhos em causa, pelo que, somando todos estes motivos, o Decreto-Lei 117/2024 deveria ter sido revogado.
Já a presidente da Associação para o Desenvolvimento do Direito do Urbanismo e da Construção (AD URBEM), Fernanda Paula Oliveira, não vê razões para tanta polémica em torno das alterações propostas e acredita que o PS não exigiu a revogação porque foi o Governo socialista a avançar com este tipo de "reclassificações mais simplificadas", com o Simplex Urbanístico.
"O Decreto-Lei 10/2024, do anterior Governo PS, também veio simplificar reclassificações e, ao contrário do que muita gente diz, não eram apenas as reclassificações para habitação pública a custos controlados ou habitação acessível; também tinha normas que permitiam a reclassificação para habitação normal", indicou.
Fernanda Paula Oliveira, que é também professora de Direito do Urbanismo na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, disse que ficou "estupefacta" com o impacto que o Decreto-Lei 117/2024 teve na comunicação social, uma vez que "o problema da reclassificação dos solos passou praticamente despercebido há cerca de um ano".
Segundo a representante, "em vez do conceito de habitação de 'valor moderado', que permite na sua formulação a construção de casas claramente acima do preço de mercado", os socialistas propõem a substituição "por conceitos já consolidados", de habitação a custos controlados e de arrendamento acessível, que limita os preços de mercado.
"Há um acordo de revogar o conceito do preço moderado. De certa maneira isso pode prejudicar os objetivos enunciados pelo Governo, porque o Governo estava um pouco a apostar neste preço moderado para, sendo um preço que considerava que chegava à classe média, ser também mais apelativo para que os privados viessem colaborar, ou ser parceiros do próprio Estado, na criação de habitação", disse.
Fernanda Paula Oliveira salientou ainda que a possibilidade de haver reclassificações dos solos "sempre esteve na lei", embora fosse mais exigente, e que o atual executivo tentou torná-la um pouco menos exigente.
A AD URBEM garantiu ainda que os municípios já têm ao seu dispor muitos mecanismos, incluindo vários incentivos e penalizações fiscais, para promover a construção de habitação nos solos urbanos.
O diploma que altera o RJIGT entrou em vigor na quarta-feira, apesar das críticas de especialistas e ambientalistas.
Os projetos de resolução para fazer cessar a vigência do diploma que altera o RJIGT foram recusados no parlamento. As propostas de alteração, inclusive do PS (em geral aceites pelo PSD), baixaram sem votação para discussão na especialidade, antes da votação final global em plenário, sem suspender a entrada em vigor do decreto-lei, com a inclusão posterior de eventuais modificações do parlamento.
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