A mãe do agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) que baleou Odair Moniz, na Cova da Moura, Amadora, pediu desculpa à família do cabo-verdiano, mas defendeu que o filho "agiu em legítima defesa".
Numa entrevista à SIC, a mulher, que falou sob anonimato, recordou o momento em que o filho lhe confessou que tinha estado envolvido na morte de Odair, em 21 de outubro de 2024.
"Disse-lhe: 'Tens visto na televisão o que está a acontecer?'. E ele responde-me: 'Fui eu, mãe'. E pronto. 'Fui eu, mãe. Porque ele matava-me, mas eu estava sem forças. Eu já não tinha força. Isto aconteceu porque foi em legítima defesa", declarou.
"O meu filho não teve segurança. Era da parte da frente que tinha o senhor Odair, era da parte de trás que tinha o pessoal do bairro! E o pessoal do bairro foi chamado pelo senhor Odair. Os tiros nunca foram para matar o senhor Odair. Foi o descontrolo. Nunca foi para matar ninguém", defendeu.
Na mesma entrevista, a mulher, que falou pela primeira vez, pediu ainda desculpa à família de Odair Moniz.
"Quero pedir muita desculpa à família do senhor Odair por aquilo que aconteceu. Se pudesse voltar para trás e pudesse dizer que nada disto aconteceu, eu diria", completou.
De realçar que esta quarta-feira foi divulgado que o agente em questão nunca fez qualquer formação relacionada com armas de fogo, além da que frequentou no curso de agentes, em 2022. A informação consta do processo que a agência Lusa consultou e foi enviada pelo núcleo de recursos humanos da PSP para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.
Além desta informação, o Ministério Público também quis saber quando é que o agente, agora acusado do crime de homicídio, ingressou na carreira, tendo a PSP respondido que foi em novembro de 2022.
O polícia em causa começou a frequentar o curso de formação de agentes em dezembro de 2021 e terminou em setembro de 2022, como consta no processo.
A PSP enviou ainda a última ficha de tiro do agente que baleou Odair Moniz, que revela que os últimos exercícios de tiro foram feitos em contexto do curso de formação de agentes, na Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, em setembro de 2022.
No primeiro interrogatório feito pela Polícia Judiciária, o agente disse que, além dos dois tiros para o ar, fez dois disparos na direção de Odair Moniz, mas que tentou direcionar a arma para baixo, para evitar a sua morte. Já no auto da PSP, enviado para o Ministério Público, o agente relatou que disparou duas vezes contra Odair Moniz em direção à linha da cintura apenas com o propósito de o neutralizar.
O Ministério Público, no entanto, revelou na acusação deduzida na semana passada que o primeiro tiro terá sido disparado a uma distância entre os 20 e os 50 centímetros e atingiu a zona do tórax. Nessa altura, Odair ainda "permaneceu em pé", mas o agente da PSP disparou uma segunda vez, já a uma distância entre os 75 centímetros e um metro, atingindo a zona da virilha.
Além do processo judicial, estão a decorrer na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e na PSP processos de âmbito disciplinar. A IGAI indicou à Lusa que o inquérito se mantém na fase de instrução e sujeito a segredo.
No processo consultado, a IGAI pediu duas vezes ao Ministério Público, ainda no ano passado, acesso aos autos das declarações das testemunhas, relatórios periciais e autos de visionamento, mas a autorização só foi dada quando foi deduzida a acusação, uma vez que o processo estava em segredo de justiça.
Do lado da PSP, o diretor nacional da PSP garantiu hoje que serão dados todos os esclarecimentos sobre a elaboração do auto de notícia sobre a morte de Odair Moniz, sustentando que o sistema estratégico de informação da polícia "regista tudo".
Na investigação, a Polícia Judiciária admitiu que o auto da PSP enviado para o Ministério Público pode não ter sido elaborado pelo agente que está agora acusado de homicídio.
No auto, o agente refere que Odair Moniz tinha uma arma branca na mão e tentou agredi-lo na cabeça. No entanto, quando prestou as primeiras declarações à Polícia Judiciária, não falou na tentativa de agressão e mencionou apenas ter visto numa das bolsas que Odair usava à cintura um objeto parecido com uma lâmina de uma faca e que Odair terá tentado alcançar a faca.
O MP determinou, entretanto, a extração de certidão para investigar a alegada falsificação do documento.
Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, no mesmo concelho, morreu no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, pouco tempo depois de ter sido baleado.
Na semana seguinte à morte de Odair registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados.
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