Em declarações à agência Lusa, numa altura em que passam cinco anos desde o início da pandemia de covid-19, Jorge Reis Novais, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, assinalou que o país se encontra "exatamente na mesma situação" que em fevereiro de 2020.
"Antes da pandemia, havia uma impreparação total, uma inadequação total das leis para uma situação deste tipo e, atualmente, estamos na mesma situação", afirmou, salientando que tanto a Constituição como a legislação portuguesa se mantêm inadequadas para lidar com uma situação de pandemia.
"Fez-se aquilo que normalmente se faz em Portugal: na altura, fala-se, veem-se as insuficiências, assinalam-se os problemas, cometem-se inconstitucionalidades - como foram cometidas quer pelo Presidente da República, quer pelo Governo - e depois permanece tudo na mesma", criticou.
Abordando a tentativa de revisão constitucional que se realizou na última legislatura - e que acabou por 'cair' devido à dissolução da Assembleia da República, em janeiro de 2024 -, o constitucionalista indicou que, mesmo que tivesse sido aprovada, as propostas que estavam em cima da mesa não iriam resolver a questão.
"Só é possível resolver adequadamente a situação prevendo uma legislação em que não seja necessário estar a recorrer a um estado de emergência, que é uma situação extrema, para resolver um caso que se pode repetir de forma frequente. E, portanto, há aí uma lacuna grave, no plano constitucional e legal", indicou.
Jorge Reis Novais defendeu que, para o país se preparar devidamente para uma nova pandemia, é necessário rever a Constituição, de forma a prever uma "situação em que seja preciso limitar alguns direitos fundamentais, sem ser necessário instaurar um estado de emergência".
Também a constitucionalista Teresa Violante disse à Lusa que, em 2020, quando começaram a surgir os primeiros casos de covid-19, o quadro jurídico português não era adequado a uma situação pandémica, como "várias decisões do Tribunal Constitucional (TC) vieram demonstrar".
Em junho de 2022, por exemplo, o TC considerou inconstitucionais os confinamentos ou quarentenas que tinham sido impostos sem ter sido decretado o estado de emergência.
"Agora, o nosso quadro jurídico é exatamente o mesmo que era quando, no início de 2020, teve início a pandemia. Portanto, estamos exatamente na mesma situação: não houve alterações nem do quadro constitucional que rege o estado de emergência, nem no quadro legal que rege o estado administrativo de emergência", salientou.
Teresa Violante recordou que, durante a pandemia, "tanto os agentes jurídicos como os agentes políticos detetaram insuficiências" no ordenamento jurídico, mas essas insuficiências não foram supridas.
"Portanto, não retirámos lições", criticou, afirmando que o sistema político português parece ter uma "incapacidade permanente, nisto como noutros assuntos, de levar a cabo e terminar reformas que são necessárias".
Questionada sobre que medidas devem ser implementadas para preparar o país para uma nova pandemia, a constitucionalista considerou que se deve "apetrechar o ordenamento jurídico de instrumentos que permitam aos decisores adotar medidas rápidas".
"É essa celeridade na adoção de medidas que são muito restritivas - de direitos, liberdades e garantias - que nós não temos", disse, salientando que o país precisa de "criar um bom instrumento legal, uma boa lei de emergência sanitária, à semelhança da que têm outros países".
"E mesmo outros países que têm um instrumento desse género tiveram de o alterar em função da pandemia. Portanto, nós estamos mesmo muito atrasados nesta área", advertiu.
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