"A temática do acolhimento e integração de imigrantes na sociedade portuguesa deve ser objeto de um largo consenso, que é exigente e que precisa de ser construído, mas nunca em nenhuma circunstância deve ser tema de arremesso político, de confronto no quotidiano dos dias", avisou Rui Marques, em declarações à Agência Lusa.
Para Rui Marques, a "fragmentação e a lógica de outrificação, do 'nós contra eles', quando entra no terreno político e é usado para fins eleitorais, tem normalmente consequências dramáticas para o clima de integração" dos imigrantes na sociedade de acolhimento.
Nesse sentido, o antigo alto-comissário apelou aos protagonistas políticos nesta campanha eleitoral para que "tenham a consciência da importância de discutir as temáticas associadas ao crime e à integração de imigrantes, mas buscando consensos e um pacto de regime".
Sempre numa "lógica integrada de uma grande parte do espetro político, que não faça da imigração, arma de arremesso de uns contra outros", acrescentou.
Rui Marques esteve hoje num colóquio organizado pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, onde fez vários alertas sobre os problemas atuais para lidar com a imigração.
O especialista sustentou que se vive num "tempo da outrificação, fragmentação e ódio", que é transversal.
"Enquanto eu não perceber que estou no quadro de uma sociedade zangada, não vou ser capaz de construir pontes", porque as "sociedades zangadas têm dinâmicas permanentes de busca do bode expiatório", disse, evocando o massacre da comunidade judaica de Lisboa, no século XVI, como o exemplo extremo destes comportamentos, que já aconteceram em Portugal.
A isso se soma, adiantou, o problema das perceções, verdade alternativa e o impacto das redes sociais, com uma "dinâmica de medo", porque uma "sociedade zangada é facilmente manipulada" por outros interesses.
Segundo Rui Marques, o mundo vive atualmente "desafios da mobilidade humana", sejam "migrantes, nómadas digitais, vistos gold ou turistas", às quais sociedades como a portuguesa reagem com "xenofobia e aporofobia" (desprezo pelos pobres), conduzindo a uma nova estigmatização sobre os imigrantes económicos em vez dos que têm dinheiro.
"A nossa reação aos imigrantes está relacionada com a nossa intolerância na sociedade", considerou, defendendo uma "defesa intransigente do estado de direito e do princípio da lei", para que todos, nacionais e estrangeiros, sintam que são tratados de forma justa.
Contudo, no caso dos imigrantes, referiu que o "que é dramático é o Estado português assumir como normal não cumprir a lei", numa referência aos atrasos nos processos administrativos, que têm levado muitos a abrir processos em tribunal.
"O Estado tem de cumprir as suas obrigações, tem de assumir as suas responsabilidades. Seja da dimensão administrativa, seja nas políticas públicas", disse, salientando que para essa solução integrada, é necessária a "defesa do papel das forças de segurança", que "são a representação do Estado de direito" junto das populações.
Para Rui Marques, "a boa integração dos imigrantes ganha-se, em primeiro lugar, na sociedade de acolhimento", mas "está-se a perder a sociedade de acolhimento para esta causa", o que torna mais urgente uma "resposta pública de políticas integradas e sistémicas" que junte todos os atores políticos.
"Nós precisamos de construir plataformas de consenso, temos de deixar de diabolizar quem está do outro lado, perceber porque é que as pessoas têm medo" e esquecermos a argumentação apenas baseada em factos.
"Toda a nossa narrativa assente em factos foi ao fundo", porque, antes disso, é necessário "construir relações de proximidade com quem discorda de nós" e avaliar "para onde é que vamos juntos, enquanto comunidade".
Por isso, é necessário "contrariar a polarização e a dinâmica do medo e do ódio", procurando "gerar segurança e desmontar o medo" e afirmar o "paradigma de uma só família humana, como fruto desejado da inclusão e da interculturalidade", concluiu.
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