A atmosfera terrestre "não é neutra do ponto de vista elétrico", disse à Lusa a investigadora do Centro de Sistemas de Informação e Computação Gráfica do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) Susana Barbosa.
"Existe uma corrente elétrica que flui permanentemente entre o céu (carregado positivamente) e a superfície terrestre (carregada negativamente), que é mantida pelas trovoadas e relâmpagos que ocorrem no planeta e que constituem o circuito elétrico global", acrescentou.
Com este projeto pretende-se examinar os diferentes fatores que influenciam o campo elétrico num dado local, entre os quais a emissão do gás radão pela superfície terrestre, a composição da atmosfera em termos de concentração de radionuclídeos, aerossóis e poluentes, a microfísica das nuvens, e a interação com o Sol e a radiação cósmica.
As trovoadas e os relâmpagos "têm uma importância evidente" em termos de risco humano e infraestruturas, já que podem alterar as condições ionosféricas e afetar comunicações, redes elétricas e sistemas de navegação.
"Mesmo em condições de bom tempo, a eletricidade atmosférica desempenha um papel fundamental nas condições de formação e nas propriedades das nuvens, afetando assim o clima", indicou a investigadora.
Apesar dos estudos existentes serem ainda "poucos e incipientes", pensa-se que este fator "não pode deixar de influenciar a evolução da vida na Terra e do ser humano, em particular".
O ritmo circadiano humano (período de aproximadamente 24 horas no qual baseia-se o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, sendo influenciado principalmente pela variação da luz, da temperatura, das marés e dos ventos entre o dia e a noite), por exemplo, "parece ser afetado por campos elétricos de baixa frequência".
Já a análise de eletroencefalogramas revela oscilações "muito próximas" das oscilações de muito baixa frequência do campo elétrico atmosférico terrestre, "sugerindo uma possível ligação entre o funcionamento do cérebro humano e o ambiente elétrico do planeta", referiu ainda Susana Barbosa.
Acredita-se ainda que as abelhas "utilizam campos elétricos como sinais sensoriais na sua interação com as flores, dado que parecem conseguir diferenciar flores artificiais quando estas são mantidas a voltagens distintas".
De acordo com Susana Barbosa, apesar de o campo elétrico atmosférico ser "uma componente fundamental do ambiente terrestre" ao nível científico e societal, é um tema ainda "pouco explorado e compreendido".
"Uma das dificuldades resulta do facto de ser um tópico muito multidisciplinar que tem que ser abordado vendo o sistema terrestre como um todo complexo e considerando as interações entre as suas diversas componentes (superfície terrestre, atmosfera, ionosfera, magnetosfera) e também com o Sol e o espaço", indicou a investigadora.
Intitulado "Atmospheric Electricity Network: coupling with the Earth System, climate and biological systems2" (Rede de Eletricidade Atmosférica: acoplamento com o sistema terrestre, clima e sistemas biológicos), tem a duração de quatro anos.
É financiado pela associação COST - European Cooperation in Science and Technology (Cooperação Europeia em Ciência e Tecnologia) e conta com cerca de 70 investigadores de 19 países.