Neste arranque de ano político, o PAN exige ao PS que dê passos éticos “mais consistentes” e define três eixos para este Orçamento do Estado: mobilidade elétrica; justiça tributária e inclusão no Ensino Superior e no Serviço Nacional de Saúde.
Ao fim de três anos no Parlamento, o deputado único do PAN tem motivos para estar orgulhoso do percurso do partido, marcado por conquistas legislativas mas também por debates na sociedade sobre temas outrora ocultos, como o ambiente e a proteção dos direitos dos animais. André Silva admite sentir muitas frustrações nas batalhas que trava, dentro e fora do Parlamento, mas garante também que todas elas se transformam em forças.
A abolição das touradas, as 'regalias' do setor tauromáquico e a polémica lei do fim do abate de animais saudáveis nos canis que entrou em vigor este domingo são temas incontornáveis nesta entrevista. Assim como as ambições políticas para o futuro do PAN, pautadas pela afirmação e desejo de mais responsabilidades. Perguntámos a André Silva se integrava uma Geringonça? Depende foi a resposta.
O fim do abate de cães e gatos saudáveis em canis municipais, cuja lei entrou em vigor este domingo, tem suscitado uma onda de críticas. Dois anos não foram suficientes para as autarquias se prepararem?
Pelos vistos, por parte das autarquias não. Estiveram em silêncio e inação, a maior parte delas, durante dois anos, e agora é que se lembram de um assunto que sempre memorizaram e que não priorizaram, dizendo que não têm condições para o efeito, o que também é um argumento falso. Desde 1925 que as câmaras municipais são obrigadas a ter centros de recolha oficial de animais, canis e gatis. Há outras leis, dos anos 80 e 90, que vêm reforçar esta obrigação. Há muitos anos que [as autarquias] tinham de ter estas infraestruturas e a verdade é que há muitos municípios - com maior ou menor população, com menor ou maior liquidez - que há muitos anos não abatem animais.
Abater o animal com o medicamento para o efeito, um fármaco letal, e depois proceder-se à incineração, etc., fica mais caro do que uma esterilizaçãoNomeadamente?
Temos o caso de Lisboa, Monchique, Seixal, Lourinhã, Póvoa do Varzim, temos muitos municípios que já não abatem. E não abatem porquê? Qual a diferença para aquela minoria, de 30%, que ainda abatem? Vontade política e sensibilidade por parte de quem está à frente e a gerir as políticas públicas.
É mais fácil e barato abater os animais?
Podia ser mais barato, mas não é. Abater o animal com o medicamento para o efeito, um fármaco letal, e depois proceder-se à incineração, etc., fica mais caro do que uma esterilização, disso não há dúvida nenhuma. A displicência e a falta de interesse são de tal forma gritantes e patentes que não esgotou a verba destinada a várias medidas que fomos incluindo ao longo dos anos nos sucessivos Orçamentos do Estado para facilitar e dotar as autarquias de mais meios para efetuar esterilizações e equipamentos médicos. Foi atribuída uma verba de 500 mil euros para esse efeito que ficou longe de ser esgotada porque não teve candidaturas suficientes.
Anos e anos em que nada fizeram e depois vêm com argumentos que são inaceitáveis e alarmistas, como o reaparecimento da raiva
É reflexo do desinteresse de que fala?
É um desinteresse total. E as câmaras têm à frente, na sua maioria, pessoas que têm menor sensibilidade para esta questão e não assumem a responsabilidade de que esta é, de facto, uma das suas competências. Anos e anos e após todas estas obrigações, dois anos também para uma fase de adaptação em que nada fizeram, depois vêm com argumentos que são inaceitáveis e alarmistas, como o reaparecimento da raiva.
Não há esse risco?
Desde os anos 50 que não existe raiva em Portugal. Uma coisa é a questão dos abates para controlo populacional, outra coisa são as campanhas de vacinação contra a raiva. É completamente impossível que isso venha a acontecer, a menos que os municípios deixem de fazer campanhas de vacinação contra a raiva.
E quanto ao aparecimento de matilhas?
Nos distritos onde há mais municípios que não abatem - Setúbal e Lisboa - onde também há mais abandonos (porque há mais pessoas), não há matilhas. Se não há nestes sítios, por que razão há-de haver noutros distritos? É mais um argumento falacioso e que não colhe. Havendo matilhas, as câmaras municipais têm a obrigação de recolher estes animais.
Referir também que muitos dos animais errantes abandonados, que depois podem formar matilhas, ocorrem coincidentemente no fim do período de caça. Há muitos animais que são abandonados no fim do período de caça porque, simplesmente, de acordo com os seus objetivos, os cães não servem para o efeito e os menos aptos são abandonados. Quando se abandona 20, 30 ou 40 cães, em situação de errância, obviamente pode trazer problemas que são complexos. Mas é preciso saber a causa da origem e havendo uma matilha faz-se a natural recolha.
Há autarcas e alguns médicos veterinários municipais que simplesmente estão contra porque não querem ter trabalho e preferem abater
Mas por que motivo está a haver tanta resistência ao fim do abate?
Há uma responsabilidade enorme dos autarcas e de alguns médicos veterinários municipais que, ao invés de aproveitarem esta lei e de estar ao lado dos valores de uma sociedade que rejeita o abate de animais como forma de controlo populacional, simplesmente estão contra porque não querem ter trabalho e preferem abater. Não percebo a posição destes médicos veterinários que estão de alguma forma a denegrir a imagem do próprio setor que, eu sei, não está de acordo com os seus porta-vozes.
Ainda assim, reconhece alguma fragilidade na lei que entrou agora em vigor?
Penso que não. A moratória dos dois anos foi mais do que suficiente. E foi de dois anos por dois motivos: porque se sabia que havia muitos municípios que já estavam a adotar estas práticas e que quem o quisesse fá-lo-ia de forma razoável. Aqueles que mais criticam a lei são aqueles que nas duas últimas décadas não fizeram rigorosamente nada.
Fingiram-se de mortos?
Fingiram-se de mortos, exato. Para estas pessoas, uma moratória de dois anos, três anos ou quatro era exatamente igual. Este não é um problema de dinheiro, não é um problema de verbas, é um problema claramente de sensibilidade e vontade política. Outra das eventuais fragilidades que apontam, e que também não é correta, é a falta de regime sancionatório para quem não cumprir. Uma norma jurídica não é uma ilha, temos de ver tudo no seu contexto, porque já está previsto no código penal penalização para quem - presidentes de câmara, vereadores, veterinários municipais – abata animais para controlo de população. Ou seja, isso é considerado um crime, um mau-trato ao animal.
O problema de fundo continua a ser o abandono de animais. Que sentimento lhe merecem as pessoas que abandonam animais e como é que se incute o princípio do respeito por todos os seres vivos a quem não o tem?
Para mim é muito fácil condenar. É constrangedor perceber e sentir que há pessoas que, perante aqueles que são os seus melhores amigos, os seus companheiros mais fiéis, e que jamais abandonariam os seus donos, podem fazer isso. É uma atrocidade enorme. Muitos deles estão completamente indefesos, nunca viveram na rua. É necessário existirem mais campanhas de sensibilização mas, acima de tudo, este é um processo individual que tem que ver com um estado evolucional.
Estamos a dar dar passos nessa evolução?
Acredito mesmo que a sociedade portuguesa na sua maioria tem um estado evolucional enorme ou suficientemente avançado para estas matérias, só que não é a totalidade da população. Mesmo sendo uma minoria, é o suficiente para provocar este flagelo. Há uma distorção ou uma leitura enviesada relativamente à contagem dos animais recolhidos. Muitos são provenientes do abandono, mas muitos outros são provenientes de nascimentos de animais errantes que não são esterilizados porque são animais municipais, de ninguém, e outras vezes de famílias com parcos recursos financeiros e que não têm 100 e tal euros para a esterilização.
Sabemos que a maior parte dos deputados é contra a realização de corridas de touros. Mas depois vão noutro sentido
Relativamente à tauromaquia, quão próximos estamos de a abolir no nosso país?
Penso que é para breve. Tenho muita esperança que na próxima legislatura isso seja possível. Sabemos, por conversas e pelos valores que têm assumido, que a maior parte dos deputados é contra a realização de corridas de touros. Mas depois, por disciplinas partidárias e outros valores, as votações expressas vão noutro sentido. Aqui há claramente um desfasamento enorme e total entre o Parlamento e a sociedade, que estão completamente de costas voltadas.
A que se deve esse desfasamento?
Tenho a certeza que este desfasamento se deve a outros motivos que não claramente de consciência. Veja-se só, nos últimos dois anos, cada vez que milhares e milhares de alunos neste país foram chamados a pronunciarem-se sobre garraiadas – que não têm o grau de sofrimento das touradas –, todas essas academias acabaram por terminar com esses espetáculos nas festas académicas, por resultados expressivos. No Porto, em Coimbra, em Setúbal, em Tomar e, mais recentemente, em Évora, um distrito onde a tradição tauromáquica existe.
E no Parlamento, o que falta para que reflita esse sentimento da sociedade?
Penso que falta coragem para assumir essa vontade e é necessário que também haja alguma mudança geracional que vai ocorrer na próxima legislatura. Sabemos que as pessoas de uma geração mais elevada são mais resistentes a alterar tradições. As pessoas até aos 40/50 anos em Portugal são, esmagadoramente, contra as touradas. Por outro lado, tem que ver com uma consciência cada vez maior, que os políticos ainda não têm, que estas opções terão peso eleitoral.
É uma luta que o PAN não vai largar, apesar do chumbo.
A proibição da tauromaquia não foi bem sucedida no Parlamento, foi uma iniciativa derrotada. Não significa com isso que a luta, o caminho, o percurso para abolição tenham saído derrotados, muito pelo contrário, sairam reforçados. Disso não tenho dúvidas nenhumas. A luta para abolição da tauromaquia prossegue, diretamente através da proibição que tentaremos fazer novamente numa próxima legislatura. Mas há outros aspetos que não são aceitáveis como é o caso de esta atividade se financiar com fundos públicos. Pegando nos argumentos do setor tauromáquico, que diz que são tantos e tantos aficionados e que as praças estão cheias, eles não precisam destes apoios, porque, como dizem, conseguem mobilizar muitas pessoas. É um setor que vive francamente bem e que não precisa de apoios.
Que iniciativas, neste âmbito, tem o PAN em cima da mesa?
Um dos eixos que temos para o Orçamento do Estado para 2019 é de uma maior justiça tributária no nosso país e uma das várias medidas é precisamente que os artistas tauromáquicos deixem de estar isentos do pagamento do IVA. É uma distorção enorme, uma injustiça fiscal enorme. Por exemplo, o acesso à justiça, um direito de todos os portugueses que tantas e tantas vezes o deixam de fazer porque a justiça paga 23% de IVA. Que lógica é que tem mantermos uma isenção de IVA para estes artistas tauromáquicos?
Não é eticamente aceitável que profissões que vivem do massacre de animais para entretenimento tenham isenção do IVA Mas qual é a fundamentação para a existência dessa isenção? Ela existe porquê?
É mais uma forma encapotada que o Estado tem para financiar esta gente, que os coloca no anexo 1 do código do IVA ao lado de profissões como médicos e enfermeiros. Não é eticamente aceitável que profissões que vivem do massacre de animais para entretenimento tenham isenção do IVA e que sejam equiparadas a médicos e enfermeiros. Não é aceitável que alimentos essenciais sejam tributados de IVA e estas pessoas não sejam. Esta vai ser uma das medidas bandeira para o Orçamento, já tivemos oportunidade de falar com o Governo e com o grupo parlamentar do PS e lançámos o repto: têm, de uma vez por todas, de se aproximar do PAN e de dar passos éticos mais consistentes.
Que outros apoios do Estado existem a este setor?
Os apoios à produção de touros bravos de raça de lide (o Estado paga 100 euros por cabeça, por cada touro que é produzido); as transmissões televisivas, e, o grande balão de oxigénio, está de facto nos munícipios que, através de inúmeros expedientes, conseguem financiar esta atividade. Com obras nas praças de touros, dinheiro para as tertúlias tauromáquicas, compra de bilhetes para touradas, entre outros.
Como sucedeu na Câmara de Caldas da Rainha, como foi recentemente noticiado.
É a própria autarquia das Caldas que vem assumir aquilo que precisamente o setor tauromáquico está sempre a negar. A câmara respondeu, passo a citar, que “defende a compra de bilhetes para touradas porque, de acordo com a política de apoio à realização de espetáculos da autarquia, são apoiados estes eventos, quer sob a forma de aquisição de bilhetes, quer sob a forma de patrocínios ou subsídios”.
A câmara acrescenta ainda nessa nota que há já vários anos tem esta prática de aquisição de bilhetes, como o fazem outras autarquias do país. Isto é por demais conhecido, o poder autárquico patrocina corridas de touros, paga publicidade, faz empréstimo de transportes para o efeito, aluga viaturas, compra e oferece de bilhetes, contrata cavaleiros e matadouros, atribui subsídios a coletividades tauromáquicas, compra livros alusivos à matéria, patrocina escolas de toureiros (Vila Franca de Xira), etc. Há muitas formas de, através de vários subsídios, com muitos milhões de euros por ano no conjunto, subsidiarem esta atividade. Vila Franca de Xira, por ano, para o setor tauromáquico investe 400/500 mil euros.
Os outros partidos têm sido hipócritas nesta matéria?
Têm sido hipócritas, na medida em que não assumem que estes apoios existem. E têm sido, acima de tudo, pouco sensíveis e não tem estado ao lado de uma nova vaga e de uma nova consciência que existe em todo o mundo, nomeadamente em Portugal, de que nós devemos respeitar os outros seres que são sensíveis. Têm sido pouco sensíveis e, em muitos casos, pouco corajosos. Há muitos deputados que colocam determinados interesses pessoais, particulares ou, supostamente económicos e de tradição à frente deste desígnio que é o de proteger seres sensíveis.
É muito irónico que o senhor da PróToiro venha comparar o PAN a uma seita quando eles têm os rituais e os comportamentos que têm
O porta-voz da PróToiro disse, numa entrevista recente ao Notícias ao Minuto, que “nada distingue a abordagem do PAN de uma qualquer seita”. Que comentário tem a fazer?
É irónico. Analisemos o que é uma seita: um grupo de pessoas que se reúne periodicamente num recinto, com rituais muito próprios e que, na maioria dos casos, acabam por sacrificar pessoas ou animais. É muito irónico que o senhor da PróToiro venha comparar o PAN a uma seita quando eles têm os rituais e os comportamentos que têm. São chavões que eles tentam colar no PAN, mas as pessoas estão atentas e percebem perfeitamente o que é que estamos a fazer.
O mesmo responsável garantiu ainda que o setor tauromáquico contribui com muitos milhões para o erário público.
Gostava que ele pudesse explicar a força da economia do setor tauromáquico. Não percebo porque é claramente um setor que está moribundo e que vive à custa do dinheiro de todos nós. Depois, há um conjunto de 20 famílias, ganadarias que beneficiam dos apoios à criação de gado para produção de carne, em que, estrategicamente, está incluída nessa medida a raça brava de lide. Continuam a receber dinheiro para produzir touros brava de lide e que, como muitos outros bovinos, são vendidos para o comércio da carne. Se calhar baseiam a realização de alguns milhões de euros com a venda de touros para carne. Mas isso não conta, não é setor tauromáquico. Tauromaquia são corridas de touros que estão cada vez mais vazias, os números de espetadores são cada vez mais reduzidos.
Aquilo que é pouco decente é estes ganadeiros receberem dinheiro para produzir touros para serem depois violentados na arena. Uma coisa é o facto de a lei permitir que esta atividade ainda se mantenha, estamos em desacordo. Coisa diferente, e pior, é que exista dinheiro de todos nós a contribuir para isso. Enquanto for legal, no mínimo que paguem impostos e que não recebam dinheiro e balões de oxigénio de todos nós.
Enquanto for legal, no mínimo que estes senhores que paguem impostos e que não recebam dinheiro de todos nós
Apesar de as praças estarem, como diz, cada vez mais vazias, as corridas continuam a ser transmitidas na televisão.
Um apoio fantástico, fundamental, para o setor. De facto, promove. Sabemos que quem não aparece na televisão não existe. Ter o privilégio de um determinado setor poder estar na televisão, sem pagar, à custa de todos nós, é de facto promocional. É um apoio institucional que o Estado dá. Isto para nós é muito importante, enquanto for legal, que o seja, mas no mínimo que estes senhores paguem impostos e que não recebam dinheiro de todos nós para exercer esta atividade que se baseia na tortura de animais para entretenimento.
O que é que se passou em Albufeira este verão?
Os relatos e as imagens aquilo que dizem é que três cidadãos entenderam exercer o direito de manifestação pacifista, não violenta, como se faz em todo o mundo em várias áreas, para chamar a atenção para uma causa. Entraram dentro da arena, mal foram detidos, não mostraram qualquer tipo de resistência, deixaram-se algemar. E a partir daí, o que se verificou foi uma agressão brutal sobre esses três indivíduos. Essas ações criminosas por parte dos agentes tauromáquicos não teve a mesma resposta por parte dos órgãos de polícia criminal que tiveram com os ativistas. Foi uma resposta violenta e cobarde a uma ação pacifista e não violenta de cidadãos.
Mas isso acontece porquê? Como é que encara esse tipo de situações de violência para com quem se manifesta contra touradas?
Até consigo compreender isto do ponto de visto sociológico. Estamos a falar de pessoas que vivem na tauromaquia desde pequenos, desde sempre. Ao terem contacto com a violência da tauromaquia desde tenra idade, a violência é uma banalização, é algo normal nas suas vidas. Se há uma banalização da violência desde tenra idade, se há um comportamento de divertimento através de um espetáculo que usa da violência, a mim não me espanta que, como recurso a algo que não lhes agrada, reajam desta forma violenta. É algo que é natural neste setor. Estamos a falar de um dos setores mais violentos da sociedade. Eu não tinha coragem de o fazer porque sinto que corria risco de vida.
Nunca vi ninguém ser agredido por invadir um campo de futebol. Mas nas arenas vê-se
Corria risco de vida?
Se olharmos para as imagens, com várias pessoas a serem espancadas e com bandarilhas a serem espetadas nas costas, pode correr-se risco de vida ao entrar numa manifestação destas.
Um exemplo, nos estádios de futebol, quantas e quantas vezes vemos ativistas que se despem ou não por uma qualquer causa e invadem um campo de futebol, a arena do futebol, interrompem o espetáculo, são detidos e não vemos violência, treinadores, jogadores a agredirem ativistas. E o futebol é viril. Nunca vi ninguém ser agredido por invadir um campo de futebol por uma qualquer causa. Mas nas arenas vê-se, a diferença são os atores que lá estão.
Mas há novidades quanto aos agressores na arena de Albufeira?
Pelo que sabemos, já estão a ser identificados, à posteriori, mas bem.
O mundo despertou agora para o problema do plástico. Ainda vamos a tempo?
Vários ecossistemas estão em estados em que, se calhar, já ultrapassaram a sua fase elástica ou a sua capacidade de lidar com estas agressões, pelo que já não há nada a fazer. Admito que todos os dias percamos uma espécie. Apesar disso, no global, sim, vamos a tempo. Acho que estamos mal, mas ainda estamos a tempo de optar por reverter isto e viver no planeta que ainda nos resta ou continuar a degradar isto. É um problema muito grave que estamos a tentar resolver a contribuir com pequena parte em Portugal.
A quantidade de plástico que todos os dias é descartada de uma forma absolutamente fútil é enorme
O que é o PAN tem feito nesse sentido?
O PAN tem tido algumas iniciativas no Parlamento e junto do Governo mas é preciso que outros países também o façam. Esperamos que durante os próximos meses consigamos algumas medidas em iniciativas legislativas que estão na especialidade, nomeadamente a da tara reciclável para garrafas de plástico, vidro e latas. É uma medida que vai conseguir uma taxa de recuperação do plástico que é introduzido no mercado mais eficaz. Apenas entre 20 a 30 % das embalagens que entram no mercado são recicláveis. As restantes são queimadas, ou estão debaixo da terra ou estão debaixo de água. O objetivo da criação deste sistema é fazer com que todas, ou com que uma esmagadora maioria, como já acontece na Europa, seja retomada.
Outra das medidas tem a ver com a não permissão de utilização de louça descartável na restauração, tirando take-aways, aviões e outro tipo de setores. Não faz sentido que um restaurante nos forneça pratos, talheres e copos de plástico. Dir-me-ão que pode haver aqui um acréscimo de custos na medida em que a loiça tem de ser lavada, mas é um acréscimo de custos para todos. A quantidade de plástico que todos os dias é descartada de uma forma absolutamente fútil é enorme.
E individualmente, o que cada um de nós fizer fará assim tanta diferença?
Claro.
O que é que o André já faz para reduzir o consumo do plástico?
Uso sacos de pano ou recicláveis quando vou às compras, tento ir quase sempre a supermercados onde me é permitido levar alimentos para a caixa e que não estejam ensacados. Não compro, por exemplo, maçãs embaladas, saladas já prontas, etc. E, a menos que seja manifestamente obrigado por não ter outra opção, não consumo refeições em locais onde me dão louça descartável. Claro que todos nós podemos fazer algo.
Fica muito frustrado quando as suas propostas são chumbadas?
Às vezes fico.
Em que situação é que isso aconteceu de forma mais evidente? Na questão da eutanásia, por exemplo?
Sim, sendo uma medida em que sinto que os nossos argumentos têm acolhimento na maioria social do nosso país, como o direito à autodeterminação, o direito à liberdade, o facto de ter o direito de conformar a minha vida como eu quero e de que o Estado e a comunidade não têm de interferir com a minha moral. Não tenho dúvidas nenhumas de que esta é uma medida que colhe uma maioria social.
Foi muito frustrante porque é algo que me diz muito a mim e ao partido. Perceber que a lei não passou por causa de argumentos pouco aceitáveis como a rampa deslizante, por argumentos do medo e por jogos de taticismos de partidos que estariam interessados em que o resultado tivesse esse desfecho para penalizar o seu líder é algo que me demonstra algum desrespeito para com quem neste momento está a precisar dessa ajuda, foi uma grande frustração.
E o inverso, uma grande alegria que já tenha tido aqui no Parlamento?
Talvez a obrigação da introdução de opções vegetarianas nas cantinas. A obrigatoriedade de haver uma opção vegetariana é algo que consideramos política integral, a chamada política para todos. É uma medida que não diz só respeito à proteção dos animais, mas diz respeito a questões de ordem ambiental, de saúde, de autodeterminação e direitos individuais. É uma medida que congrega o atingir de vários objetivos.
Se na questão do estatuto jurídico dos animais estamos na crista da onda, na opção vegetariana nas cantinas somos únicos no mundoFez até eco no estrangeiro na altura.
Sim, sim. No Brasil, nos Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, etc. Fomos contactados, inclusive. Há um partido na Dinamarca que veio até aqui e que está, neste momento, a desenvolver um processo legislativo inspirado no português. Sabemos, também, e isto é espetacular, que estamos a fazer doutrina não só com esta medida mas também com o estatuto jurídico dos animais – somos quatro ou cinco no mundo – em que há outros países que já vão dizendo “em Portugal já se faz isto”.
E é um motivo de orgulho?
É um orgulho porque somos exemplo pelas melhores razões. Estamos habituados que a doutrina venha sempre lá de cima, da Europa central ou dos EUA, por isso, é um motivo de orgulho saber que os outros países supostamente tão ou mais desenvolvidos deem Portugal como exemplo. Se na questão do estatuto jurídico dos animais somos muito poucos, estamos na crista da onda, na opção vegetariana nas cantinas somos únicos no mundo.
Esperamos ver aprovadas a não utilização de animais em circos, a eliminação do prazo internupcial, a questão da tara recuperável e da loiça descartável
Quais são as expetativas para este ano político que agora arranca?
Queremos continuar a marcar a agenda com temas que habitualmente não são falados no Parlamento e continuar a dar voz a quem votou em nós e a quem não votou mas que já percebeu que pode contar connosco. Somos atores políticos fundamentais para trazer alguns temas que outros menorizam.
Depois, esperamos ver aprovadas uma série de medidas que estão a ser trabalhadas na especialidade, nomeadamente a não utilização de animais em circos, a eliminação do prazo internupcial, a questão da tara recuperável e da loiça descartável. Pretendemos também que este OE integre medidas do PAN e que o PS tenha coragem de fazer avanços legislativos em matérias que para nós são fundamentais.
E que medidas estão a ser negociadas com o Governo e com PS?
Estamos a trabalhar em três eixos: mobilidade elétrica, justiça tributária e inclusão no Ensino Superior e no Serviço Nacional de Saúde. Na mobilidade elétrica, queremos alargar os incentivos à aquisição de veículos elétricos, alargar o montante individual e o bolo. E estender este incentivo à compra de veículos pesados de passageiros - autocarros -, para as empresas de transportes públicos. Com esta medida estamos não só a priorizar a mobilidade elétrica como a privilegiar o transporte coletivo em detrimento do individual.
No âmbito da justiça tributária, além da questão de deixar de isentar o IVA dos artistas tauromáquicos, estamos também a negociar a redução do IVA da alimentação dos animais de companhia de 23% para 13%. Não nos faz sentido que toda a alimentação e tratamentos veterinários de outros animais estejam com IVA de 6% e que esta esteja nos 23%. Mais de metade dos agregados familiares tem um animal de companhia. Entendemos que saúde há só uma, não há uma saúde humana e uma animal.
No último eixo, o da inclusão, estamos a tentar criar uma linha especial de apoio para que as instituições do ensino superior possam ter gabinetes de apoio a alunos com necessidades especiais. Não vale de nada termos vagas para pessoas com deficiência quando depois não lhes damos condições para efetivamente estudar. Não adianta de nada, termos pessoas surdas a entrar no Ensino Superior se depois não encontramos mecanismos, a nível de equipamentos e de pessoas, que as auxiliem.
A última medida que temos é inclusão no SNS através da contratação de intérpretes de língua gestual portuguesa. Um doente surdo não consegue comunicar com o seu médico. O testemunho que temos destas pessoas é que, ou levam familiares ou então é muito complicado. Agora imagine-se a aflição e o risco que estas pessoas correm num contexto de urgência. Propomos a criação de uma bolsa de umas dezenas de intérpretes espalhados pelos distritos de cada país, que possam suprir estas necessidades.
A nível de eleições, as três que aí vêm, quais são os objetivos do PAN?
Sabemos que é uma meta difícil, mas queremos eleger um eurodeputado. Precisamos de atingir um patamar onde ainda não chegámos mas estamos a trabalhar para isso.
Nas legislativas, esperam eleger pelo menos mais um deputado?
Vamos pedir às pessoas que continuem a confiar em nós e que nos deem confiança para que continuemos a trabalhar. Penso, honestamente e com toda a humildade, que não estamos a frustrar quem votou em nós. O que prometemos foi trabalhar e tentar mudar alguma coisa, não prometemos rigorosamente nada. Trabalhamos, já conseguimos mudar alguma coisa a nível legislativo e a nível do debate social e político. Os aspetos de ordem ambiental e animal são hoje melhor acolhidos e nunca se discutiu tanto o ambiente a proteção dos animais como hoje. E o PAN também vem trazer outras lutas sociais e dar voz a minorias.
Provando que não estão só a trabalhar para dar voz aos animais?
Esse é o argumento que é usado por quem quer diminuir a ação do partido, mas quem está atento à atividade política sabe perfeitamente que isso não é verdade. Não conseguimos fazer mais porque não temos mais meios, não temos regimentalmente de ir a todos os debates como os outros vão, estamos sempre reduzidos a um minuto, um minuto e meio.
Não temos medo de assumir mais responsabilidades
E como é que se tem safado nessa tarefa de dizer tudo num minuto?
Tenho de me especializar em ser muito rápido e muito reduzido, a limpar todas as gorduras que não interessam no discurso. Ainda assim, achamos que vamos aproveitando o espaço nobre do plenário e das comissões para podermos desenvolver essa atividade que é muito ajudada pelas nossas redes sociais e pela imprensa online.
Para terminar, via-se numa Geringonça?
Depende da Geringonça. Vejo o partido a sustentar uma solução de governo. Numa Geringonça, depende. Pode haver muitas.
Depende se à Direita ou se à Esquerda?
Sim. O PAN estará obviamente disponível para, em função dos resultados, e em função daquilo que for um projeto político de um partido maioritário, que tem de ter as mínimas pontes comuns e não ter linhas vermelhas inaceitáveis, para fazer parte de uma solução governativa. Não temos medo de assumir mais responsabilidades, pelo contrário. Precisamos de mais confiança dos portugueses de mais força para o fazer. Se formos chamados a sustentar uma solução governativa, cá estaremos para isso, falando, obviamente, no abstrato.