O primeiro-ministro, António Costa apresentou, esta quinta-feira, aos portugueses o plano e respetivo calendário do desconfinamento, após três estados de emergência, decretados devido à pandemia da Covid-19.
Depois de anunciar todas as medidas que serão tomadas em três fases distintas (de 15 em 15 dias) e de ter frisado que "enquanto houver Covid-19" e não houver uma vacina ou um tratamento, "a vida não voltará ao normal", o chefe do Governo foi entrevistado na RTP.
“Estes dias têm sido dificílimos para toda a gente, incluindo para os cientistas que se interrogam sobre este novo vírus, profissionais de saúde que estão na linha da frente, famílias que estão a sofrer pelos familiares, pelo emprego, empresários que lutam para aguentar as empresas, tem sido um período muito difícil para toda a gente”, começou por afirmou António Costa.
Desafiado a identificar qual foi a maior dúvida que teve nos últimos dias, desde que a Covid-19 chegou a Portugal, o primeiro-ministro apontou o facto de "estarmos a enfrentar uma realidade nova que não foi ensaiada em laboratório e com variáveis que não temos a certeza".
"Não sabermos quanto tempo a sociedade vai resistir a estas limitações de convívio, quanto tempo as pessoas vão resistir a estar em casa” (António Costa)Contudo, o chefe do Executivo aproveitou para sublinhar que a "mensagem continua a ser ‘fique em casa'”, reiterando que o mundo não vai voltar à normalidade enquanto não houver vacina ou tratamento. “Temos de aprender a conviver com o vírus”.
“É fundamental que as pessoas percebam que o vírus está aqui e vai continuar aqui (...). Será muito improvável que haja vacina no espaço de ano ou ano e meio. A normalidade que tínhamos em fevereiro não vamos a ter tão cedo", reiterou, esclarecendo que a reabertura do comércio não significa o regresso à normalidade.
“Estabelecemos um calendário com o compromisso de avaliarmos de 15 em 15 dias se estamos em condições de dar o passo seguinte”, sendo que “temos de estar preparados para chegar a meio de maio e dizer que não podemos dar o passo seguinte” ou, pior, avisou o primeiro-ministro, “cancelar algumas coisas que já tínhamos implementado”.
“Cada vez que eliminarmos uma restrição, o risco de contaminação aumenta. Vamos ter mais liberdade, mas mais liberdade significa mais responsabilidade”
"Multa" para quem não usar máscara nos transportes públicos
Sobre o uso de máscaras, o governante começou por admitir (e mostrar) que tem sempre uma "máscara no bolso", que coloca quando entra, por exemplo, num espaço público e salientou que essa é a indicação das autoridades da saúde, ou seja, deve ser usada sempre nas escolas, nos transportes púbicos, no comércio e nos espaços públicos onde haja muita gente.
À partida na rua, o uso de máscara não vai ser obrigatório, disse António Costa, porém, deixou um apelo aos portugueses: “Na rua depende, se for um grande ajuntamento, o risco é grande. A norma é o bom senso”.
Sobre as coimas que podem vir a ser aplicadas neste sentido, Costa esclareceu que apenas estão previstas "multas" para quem utilizar os transportes públicos sem máscaras, porque é o local mais difícil de garantir o afastamento e o distanciamento social.
Lei continua a permitir "limitações à liberdade de circulação"
Questionado sobre o enquadramento jurídico da situação de calamidade pública, o primeiro-ministro recordou que a lei de bases da Proteção Civil, que vigora desde 2006, tem sido aplicada em alguns momentos.
“Ainda antes do estado de emergência determinamos a cerca sanitária em Ovar ao abrigo desta lei”, lembrou, garantindo que a lei atual "permite o confinamento de quem está doente" e “determinar limitações à liberdade de circulação para estancar surtos epidémicos”.
Ou seja, segundo António Costa, só medidas como a suspensão do direito à greve é que apenas são permitidas no quadro legal do estado de emergência.
Antes de passar à próxima questão, o governante admitiu que teve dúvidas sobre o 'timing' do estado de emergência, porque este podia induzir as pessoas no erro de pensarem que, ao fim de 15 dias, o surto passava. “Há um momento em que precisamos de mais constrangimento”, disse, revelando ainda que se confrontou com o facto de se esse momento já tinha chegado: “Vivemos 46 anos em liberdade e 45 dias em estado de exceção”, afirmou.
Confinar idosos e grupos de risco "não seria socialmente compreendido"
Ainda sobre o confinamento, o primeiro-ministro frisou que "a saúde não está de um lado e a economia do outro" e admitiu que a ideia de confinar os idosos e grupos de risco em Portugal "não seria socialmente compreendida”.
“Não podemos adoptar uma estratégia que não consiga mobilizar os portugueses (...). O que eu acho que era a estratégia correta para mobilizar o conjunto do país era a ideia de que temos de nos proteger uns aos outros”, afirmou.
Praias vão ser "um dos problemas mais difíceis"
Sobre as praias, uma das questões que mais tem preocupado os portugueses com a chegada do tempo quente, António Costa relembrou que ainda não há confirmação que o vírus hiberna no verão.
“Para irmos à praia vamos ter de ter as cautelas necessárias que temos quando estamos noutros espaços ao ar livre”, disse, admitindo que esse "vai ser um dos problemas mais difíceis que temos para resolver”, declarou.
Contudo, sublinhou, sem querer adiantar detalhes, que o Governo tentará chegar a uma "boa solução" junto das capitanias e das autarquias.
Empresas devem promover horários desfasados
Já sobre as empresas, o primeiro-ministro disse que quando, em junho, o teletrabalho for levantado, as estas devem adotar horários desfasados para não haver uma concentração grande de pessoas nas empresas.
"Havia 53 pedidos de layoff por mês, agora há 95 mil"
Sobre o recurso ao layoff, Costa notou que a adesão é um sinal da vontade que as empresas têm de resistir a este período difícil. “Tínhamos em média 53 processo de layoff por mês, de um momento para o outro tivemos 95 mil pedidos”, revelou, justificando as dificuldades da Segurança Social de responder a todos a horas.
“Hoje já foram depositados no banco todos os pagamentos dos pedidos feitos até 10 de abril, e todos os que entraram até hoje vão estar pagos até 15 de maio”, garantiu.
Sobre os processos que foram recusados, o governante lembrou que é normal haver erros por este ser um processo novo.
Apoio aos pais com filhos até 12 anos mantém-se até final do ano letivo
Questionado pelos jornalistas que estão a conduzir a entrevista, Carlos Daniel e o António José Teixeira, sobre as proteções aos pais de crianças, que não têm aulas até ao final do ano letivo, António Costa vincou que um dos pais pode continuar a contar com o apoio do Estado, desde que criança tenha até 12 anos. “Manteremos essa medida até ao final do ano letivo”, garantiu.
“Esta é uma situação muito dolorosa para as famílias, temos noção disso (...). É por termos consciência dessa dificuldade que criámos esta medida”, declarou.
Sobre a possibilidade de ir além dos 66%, o primeiro-ministro declarou o seguinte: “Se pudéssemos ir aos 100% teríamos muito gosto, mas temos de saber que há um amanhã depois desta pandemia e temos de ter em conta os recursos que temos e não podemos consumir todos os recursos que temos hoje”.
“Temos de ter ainda músculo para continuar a resistir", disse, aproveitando para salientar que "haverá novas vagas do vírus, pelo que não podemos consumir todos os recursos nesta primeira fase. A lógica de resposta foi: primeiro, conter a pandemia, depois, não matar a economia e, por fim, criar condições para recuperação e relançamento".
“Para podermos chegar ao fim desta segunda fase com empresas, famílias e estado com capacidade, temos de preservar algumas forças e não nos esvairmos nesta fase”
Funerais sem limitação de pessoas
Uma das questões mais sensíveis para António Costa, durante os estados de emergência, foi a limitação de pessoas nos funerais de familiares. “Tem sido das coisas mais difíceis (...) houve situações em que nem os filhos todos puderam ir ao funeral", admitiu, recordando que esta decisão passou agora para as autarquias mas que “se o limite for 10 pessoas, e a família forem 12, então vão 12”.
Ainda sobre este assunto, o primeiro-ministro reiterou que “o acomodar da dor também diminui a capacidade de resistência a uma luta que vai ser muito prolongada" e que é necessário que "a força das pessoas não se esgote toda agora”.
Festivais de verão? "Há uma grande probabilidade de não se realizarem"
Uma das questões ainda pendentes, que não está presente das medidas anunciadas esta quinta-feira, é a realização dos festivais de verão. Sobre este assunto, António Costa reiterou que a decisão só irá ser tomada na próxima semana, mas admitiu que "há uma grande probabilidade de não se realizarem”.
Porém, adiantou que pode haver uma transição dos festivais para espaços com lugares marcados, como é o caso de um estádio de futebol, mas não quis fazer 'antevisões' antes do tempo.
Aproveitando a referência ao estádio de futebol, sobre a retoma do campeonato, o socialista anunciou que a Liga tem um conjunto de compromissos de controlo e de regras de saúde pública para cumprir, apesar desta ser uma atividade onde a medicina está muito presente e a faixa etária dos profissionais é, à partida, menos propícia ao risco. No entanto, relembrou Costa, os jogadores "têm o dever de se proteger, como todos os outros” e não haverá público, para já, a assistir às partidas.
"Nenhuma companhia de aviação sobrevive sem intervenção pública"
Sobre a TAP, o primeiro-ministro começou por dizer que as negociações entre sócios não se devem fazer através da comunicação social, mas a aviação é um setor fundamental para a economia nacional e revelou que a União Europeia está a preparar um plano específico de resposta à crise na aviação civil.
“Este é o momento para aguentar a TAP viva até chegarmos a um momento em que possamos definir o relançamento”, defendeu, acrescentando que o Estado não pode perder uma empresa como a TAP.
“Nenhuma companhia de aviação sobrevive sem intervenção pública. Agora é altura para parar, aguentar, e depois retomar. Infelizmente neste momento não dá para adivinhar", atirou.
"A Europa é fundamental, não vivemos numa ilha"
Questionado sobre a origem do dinheiro para responder à crise e se a Europa é a única via possível para não recorrer à austeridade? O governante respondeu que a capacidade de resposta das empresas portuguesas tem sido extraordinária, na adaptação à nova realidade, mas que nesta luta “a Europa é fundamental”. “Não vivemos numa ilha isolada, se toda a economia está fechada exportamos para onde?”, fez o reparo.
“Se alguém tinha a ilusão de que ia recuperar-se sozinho quando toda a Europa estava no caos, tinha a mais profunda das ilusões”, rematou, acrescentando que “as linhas de emergência já foram validadas no Eurogrupo e Conselho Europeu, mas depois há outra questão, do relançamento da economia, temos de chegar ao Conselho Europeu em junho com condições para relançar a economia”.
Ainda sobre este tema, Costa revelou que “uma maioria disse que ajuda devia ser sob a forma de subvenção, outros disseram que devia ser misto, entre empréstimos e subvenção, e tenho a certeza que a Comissão Europeia está a trabalhar numa solução equilibrada”.
"Nem um otimista irritante como eu consegue ver já a luz ao fundo do túnel"
Antes de terminar a entrevista, em jeito de brincadeira, mas confessando receio, António Costa admitiu que ainda não vê a "luz ao fundo do túnel. “Do lado de lá deste túnel há uma luz, se essa luz já está à vista nem um otimista irritante como eu a vê, mas para ter tempo para chegar ao ponto onde vou ver essa luz tenho de me manter vivo e isso vale para todos, paras as empresas, para tudo (...) O esforço é por tempo indeterminado”, concluiu.