O que foram os partidos dizer a António Costa (e o que ouviram)

Na véspera do Conselho de Ministros extraordinário, convocado pelo primeiro-ministro para este sábado, António Costa recebeu, em São Bento, representantes dos partidos antes de tomar medidas de maior impacto para o combate à Covid-19.

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Ana Lemos com Lusa
30/10/2020 15:45 ‧ 30/10/2020 por Ana Lemos com Lusa

Política

São Bento

Porque Portugal atravessa uma "fase crítica" - com recordes de novos contágios, óbitos e internamentos - é "necessário haver o maior consenso nacional possível sobre as medidas a adotar". As palavras são do primeiro-ministro António Costa que esta sexta-feira está a ouvir os partidos em São Bento, antes do Conselho de Ministros extraordinário que convocou para este sábado.

À saída dos encontros com o chefe do Governo, os representantes partidários deixaram alertas aos portugueses, nomeadamente sobre a pressão que o SNS enfrenta e sobre a importância de, neste momento crítico, serem ajustadas as medidas já em vigor e de serem aplicadas restrições.

Um novo Estado e Emergência, o recolher obrigatório, alargar restrições a mais municípios, o recurso ao regime de teletrabalho são algumas das medidas 'em cima da mesa'. "Afastada" está, para já, a hipótese de um "confinamento geral semelhante ao que existiu em março e abril", adiantou o ministro Siza Vieira.

"Situação é grave". PSD está como "sempre do lado da solução"

O líder social-democrata foi o primeiro a ser ouvido pelo primeiro-ministro. À saída, e visivelmente preocupado com a situação que o país atravessa, Rui Rio afirmou que "infelizmente o Estado de Emergência hoje não pode ser como foi em março e abril" embora o devesse ser para proteção da saúde pública mas, sublinhou, "a economia não tem capacidade para aguentar".

Questionado sobre a posição do PSD sobre um eventual novo Estado de Emergência, Rio - que se fez acompanhar pelo vice-presidente do PSD Salvador Malheiro e pelo deputado e médico Ricardo Baptista Leite - não descartou o apoio ao Governo. "Estaremos sempre do lado da solução", garantiu, revelando que serão aplicadas restrições aos concelhos mais afetados, com respostas específicas e adequadas à gravidade.

A este propósito, e referindo-se às restrições que entraram em vigor às 00h desta sexta-feira, o líder 'laranja' reconheceu ter "dúvidas se esta proibição entre concelhos está ferida ou não de inconstitucionalidade, não havendo Estado de Emergência. Mas está ultrapassado, na medida em que existe uma providência cautelar que foi metida, mas que não tem efeitos suspensivos", disse referindo-se a uma iniciativa do Chega.

BE afasta Estado de Emergência e defende requisição civil na saúde

A Rio, seguiu-se Catarina Martins. A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) afastou para já a necessidade de um novo Estado de Emergência e defendeu que o Governo utilize toda a capacidade instalada na saúde, se necessário recorrendo à requisição civil dos setores privado e social.

"Lembro que o Estado de Emergência é uma medida de última linha, que tem uma vigência de 15 dias e que esta pandemia vai demorar longos meses. É desejável e possível encontrarmos outros mecanismos para tomar medidas que possam proteger a população", defendeu Catarina Martins.

Em alternativa, a líder do BE defendeu que toda "a capacidade instalada da saúde" deve ser colocada na alçada do Ministério da Saúde, "privada e social, tanto na resposta à Covid como não Covid" e manifestou-se disponível para outras medidas que tenham de ser aprovadas pela Assembleia da República.

Sobre as medidas que serão anunciadas no sábado pelo Governo, Catarina Martins apenas disse que têm dois objetivos, que considerou "comuns a todos". "Por um lado, preservarmos a resposta da saúde numa pandemia ainda prolongada durante meses. Têm de ser as medidas possíveis e eficazes durante um período prolongado", e por outro lado, o Governo tem um objetivo de mais curto prazo e que "tem razão de ser: Conseguir controlar estes números a tempo de as famílias terem os seus encontros de Natal em maior segurança", explicou, sem detalhar mais pormenores.

PCP pede que não se transforme problema de saúde em "caso de polícia"

À saída da residência oficial do primeiro-ministro, o secretário-geral do PCP defendeu que o Governo deve tomar medidas "proporcionais" e com "pedagogia", avisando que não se pode transformar um problema de saúde "num caso de polícia".

"Exagerar nessas medidas, pensar que se resolve como um problema securitário, assim não resolvemos o problema. É essa pedagogia para que o povo compreenda o sentido e não procurar de uma forma fácil uma medida securitária, designadamente de confinamento das pessoas, com toda a paralisação da atividade económica e do plano social", criticou Jerónimo de Sousa.

Neste sentido, o líder comunistas defendeu que as medidas a anunciar pelo Governo no sábado "são inseparáveis" de medidas de reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dizendo discordar de uma requisição civil dos privados se tal significar desvalorizar o sistema público.

Questionado sobre se o PCP aceitaria um novo Estado de Emergência ou uma medida como recolher obrigatório, Jerónimo de Sousa não respondeu diretamente, mas referiu que a lei da Proteção Civil e a lei de vigilância da saúde "são instrumentos que podem responder neste contexto à situação" sanitária.

"Procurar todas as medidas de defesa da saúde, mas que essas medidas não sejam transformadas num caso de polícia", reforçou.

IL avisa que vai opor-se a eventual recolher obrigatório em todo o país

O presidente do Iniciativa Liberal (IL) manifestou-se "frontalmente contra" a possibilidade de o Governo decidir amanhã impor o recolher obrigatório em todo o território nacional, considerando tratar-se de uma "limitação excessiva" das liberdades individuais.

No final da reunião, o deputado único João Cotrim de Figueiredo revelou que o primeiro-ministro "dividiu as medidas basicamente em duas: aquelas que são extensões daquilo que se aplicou em Lousada, Felgueiras e Paços de Ferreira, com encerramento de estabelecimentos e medidas de limitação de circulação; e outro conjunto que exige já Estado de Emergência, como o recolher obrigatório para todo o território e para toda a população".

"Em relação a essa hipótese, a Iniciativa Liberal teve a ocasião de dizer que se opõem frontalmente, porque se trata de uma limitação excessiva das liberdades individuais e, sobretudo, porque não há qualquer fundamento para aplicar a todos os concelhos do país a mesma medida no pressuposto de que o problema idêntico", defendeu Cotrim Figueiredo, acrescentando que neste ponto relativo ao recolher obrigatório, o Governo não comunicou qualquer proposta em termos de período horário de aplicação.

De referir que após a audiência com o deputado do IL, as reuniões foram interrompidas para o primeiro-ministro António Costa cumprir um compromisso de agenda - a intervenção por videoconferência na cerimónia de entrega do Prémio Nacional de Arquitetura de Espanha a Álvaro Siza Vieira.

PAN considera recolher obrigatório "desnecessário"

Já durante a tarde, André Silva revelou à saída da reunião que transmitiu a António Costa que um recolher obrigatório "neste momento, sob pena de uma revisão de posição, é absolutamente desnecessário" porque "os surtos estão a ocorrer nos transportes públicos, no contexto laboral e familiar. Portanto, é fora desse horário [de madrugada] que se verificam os contágios", justificou referindo-se à possibilidade de Portugal aplicar um recolher obrigatório entre as 22h e as 6h conforme já fizeram alguns países europeus, nomeadamente a Alemanha e a França.

Outras das questões "aflorada" no encontro, revelou André Silva, foi a possibilidade de o Governo decretar o confinamento geral na primeira quinzena de dezembro para preservar o período de Natal, mas adiantou o porta-voz do PAN que essa medida "não está certa e segura" e requer vigência do Estado de Emergência.

Confinamento geral "não é um dado adquirido, mas é uma hipótese que está em cima da mesa, antevendo um agravamento do contexto epidemiológico" (André Silva - PAN)"Na opinião do primeiro-ministro, se for o caso, essa medida procura antecipar ou prever aquilo que poderá ser um impacto enorme ao nível do Natal, fazendo com que as pessoas fiquem mais consciencializadas e reduzam os contactos. É preciso que se chegue ao Natal com a possibilidade de juntar a família", justificou André Silva, acrescentando que "tudo dependerá daquilo que resultar da posição do Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] na medida que depende de uma declaração de Estado de Emergência".

PEV recusa medidas que afetem liberdades e garantias dos cidadãos

A deputada ecologista Mariana Silva manifestou, no final da reunião com o primeiro-ministro, que o PEV aceita medidas que tenham como base posições dos técnicos de saúde, mas afasta para já cenários de confinamento geral no âmbito de um regresso ao Estado de Emergência. "Isso será mais para a frente. Ouvimos as medidas que o Governo nos apresentou. Daremos a nossa opinião dependendo daquilo que for apresentado", referiu.

"Como as pessoas já estão cansadas e exaustas destas medidas, é preciso reforçar as campanhas de pedagogia" (Mariana Silva PEV)

No entanto, em relação à possibilidade de ser decretado novo Estado de Emergência, a dirigente ecologista advertiu que "é necessário mais pedagogia, mais campanha e mais esforço" em matéria de qualidade de vida dos portugueses. "Se tiverem de se impor medidas, que essas medidas não sejam restritivas das liberdades e garantias de cada cidadão. Não é pela punição que mudamos comportamentos, mas sim pelo esclarecimento e pela pedagogia", contrapôs.

PEV entende que "são necessários mais transportes públicos e mais horários para que as pessoas possam circular em segurança, sendo também necessária uma maior fiscalização dos locais de trabalho para se perceber se todas as regras de higienização estão a ser cumpridas".

Chega contra "confusões" rejeita confinamento geral

O penúltimo partido a ser ouvido foi o Chega. À saída de São Bento, o deputado André Ventura lamentou aquilo que chamou de "enorme confusão entre os protagonistas públicos em relação às restrições de circulação, com o Governo a dizer que se tratava de restrições, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a dizer que se tratava de recomendações, enquanto o diretor da PSP afirmava que a lei é para cumprir e que estava perante uma norma legal".

Esta confusão, disse, "é tudo aquilo que o país não precisa no combate à pandemia". "Isto prejudica a estabilidade dos agentes económicos, das famílias e de quem quer viver minimamente normal em contexto de pandemia", sustentou André Ventura que, apesar de reconhecer que o número de contágios está a aumentar, criticou a possibilidade de aplicar em todo o território nacional as regras já em vigor em Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras porque seria "uma injustiça".

CDS afasta para já cenário de confinamento geral e quer medidas cirúrgicas

Francisco Rodrigues dos Santos no final da reunião com o primeiro-ministro, que se prolongou por quase duas horas, em vez dos 45 minutos que estavam previstos - mas sem a viabilização do próximo Governo Regional dos Açores 'no meio', assegurou o líder centrista -, o CDS considerou que o Executivo tem de escolher "uma de duas coisas".

"Ou salva vidas e contratualiza com os setores particular e social, alargando a capacidade de resposta do sistema de saúde; ou continua de braços cruzados a assistir a este rasto de mortalidade", disse Francisco Rodrigues dos Santos.

Interrogado sobre a possibilidade de o país regressar a uma situação de confinamento geral na primeira quinzena de dezembro, no âmbito de um novo Estado de Emergência, o líder do CDS afastou para já esse cenário. "CDS defende medidas cirúrgicas, dirigidas, zona a zona e temporárias. Algumas delas já deveriam ter sido implementadas e não foram, desde logo a do mapa de risco de contágio em que estejam identificadas as zonas de maior perigo", contrapôs.

"Cabe ao Governo avaliar quais os instrumentos legais que tem à sua disposição para aplicar as medidas que devem ser implementadas para impedir uma escalada descontrolada dos contágios e aliviar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. Em Portugal, ninguém deseja uma fotocópia da circunstância que vivemos em março e há muito a fazer ainda antes de se considerar essa hipótese", sustentou.

PS avisa que a situação vai ser ainda mais "crítica nas próximas semanas"

O 'fecho' deste longo dia de encontros coube ao PS. À saída, José Luís Carneiro advertiu que a situação da pandemia vai ainda agravar-se mais nas próximas semanas, defendendo a mobilização de todos os setores de saúde na resposta à crise sanitária. "É muito importante estarmos todos preparados para momentos muito difíceis que se vão colocar de novo e infelizmente ao país", reforçou o "número dois" da direção dos socialistas.

Tendo ao seu lado a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, e o dirigente socialista Pedro Cegonho, o secretário-geral adjunto do PS considerou que o atual momento "é crítico e vai tornar-se ainda mais crítico nas próximas semanas".

Face a este cenário, José Luís Carneiro disse ser essencial "um esforço individual, das famílias e das comunidades locais" na prevenção da doença, sendo para tal necessário "níveis muito exigentes de responsabilidade".

"Temos de garantir que todos os meios de saúde conseguem assegurar resposta aos momentos críticos que são esperados. Todos os meios de saúde - do Serviço Nacional de Saúde e das instituições públicas e privadas - devem estar mobilizados e disponíveis no sentido de se garantir uma resposta às necessidades que teremos de enfrentar", defendeu.

Governo quer medidas eficazes que "perturbem o mínimo" a Economia

Depois de reunir com os partidos, o primeiro-ministro reafirmou, através do Twitter, que "é necessário haver o maior consenso nacional possível" sobre as medidas a adotar e procurando perturbar o mínimo possível a economia e a sociedade, embora não excluindo nenhuma medida.

Na residência oficial de São Bento, em Lisboa, marcaram presença os nove partidos com assento parlamentar: PSD, BE, PCP, Iniciativa Liberal, PAN, PEV, Chega, CDS-PP e PS.

[Última atualização às 23h57]

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