Ainda que condenando a ação do ministro da Administração Interna, Luís Marques Mendes defendeu, este domingo, que vários governantes estão a escudar-se atrás de Eduardo Cabrita, no que diz respeito à responsabilidade pela situação dos migrantes em Odemira.
"Anda toda a gente dentro do Governo a esconder-se atrás do ministro Eduardo Cabrita. É claro que o ministro foi desajeitado e trapalhão como é habitual. Mas, anda muita gente a esconder-se atrás dele, nomeadamente, ministros, secretários de Estado e o próprio primeiro-ministro", acusou o comentador, no espaço habitual de análise na SIC Notícias.
Para Marques Mendes, a presente situação é um "assunto transversal", referente a diferentes tutelas que atuam nas áreas da "habitação, saúde, condições de trabalho" no país. "Tem a ver com várias áreas, mas toda a gente só bate em Cabrita", vincou.
Ou seja, para o antigo dirigente, no final do dia, o Governo é quem tem a "responsabilidade máxima" nesta matéria, sobretudo considerando que, em 2019, o Executivo socialista "legitimou" em Conselho de Ministros "muito desta situação, com a legalização dos chamados contentores".
"E, na altura, houve pessoas que chamaram publicamente a atenção para aquele atentado social. A mais vibrante, com a coragem que a caracteriza, foi Helena Roseta, mas houve mais", lembrou.
Sobre a atuação do ministro da Administração Interna, Marques Mendes considerou que, a "dada altura", o discurso de Eduardo Cabrita foi "inadmissível" e que no concerne a requisição civil em Odemira, aconteceu o que sempre acontece com o governante: "Uma trapalhada".
"O que o ministro devia ter feito era dialogar com o Zmar, acordar condições de utilização pelos imigrantes e, só em caso de manifesto desacordo, recorrer seletivamente à requisição civil. Como fez o contrário, deu a trapalhada que se vê", sublinhou.
A secretária de Estado "perdida em combate"
Contudo, ainda sobre os que se escudam atrás de Eduardo Cabrita, Marques Mendes mostrou-se especialmente indignado com a ausência e silêncio da secretária de Estado para a Integração e as Migrações, Cláudia Pereira.
"Mas, será que o país sabe que nesta área há uma secretária de Estado da Integração e das Migrações? Acho que o país não sabe", começou por atirar o comentador.
Frisando que a governante ainda "não apareceu a informar, esclarecer ou a explicar coisinha nenhuma" e que parece que "está desaparecida em combate", Marques Mendes citou uma frase da secretária de Estado publicada, a 6 de março do ano passado, no Diário do Alentejo, a propósito da migração em Odemira.
"Disse ela: 'Odemira é exemplo de integração de migrantes'. Acho isto inacreditável. Seguramente que em Odemira também há migrantes integrados, mas são uma minoria. Seguramente que há alguns bons exemplos no domínio do ensino e da educação. Agora, a maior parte dos casos não são bons exemplos de integração de migrantes, o que é exatamente o contrário do que diz a secretária de Estado", criticou.
E defendeu: "É por causa de declarações como esta que é dado um sinal aos serviços para que fechem os olhos porque as coisas até estão bem. Se calhar, é por isso que ela agora não aparece".
Há "entidades em particular que têm responsabilidades específicas"
Ainda assim, as críticas de Marques Mendes sobre "a dimensão social" do que se passa em Odemira não foram exclusivas ao Governo de António Costa. Segundo o antigo ministro, há "entidades em particular que têm responsabilidades específicas", começando pela Câmara de Odemira e o seu presidente José Alberto Guerreiro.
"Ou ele [o autarca] não tem força política para bater o pé e exigir que fizessem o que era necessário ou não fez o que podia e devia. Inclino-me mais para esta última hipótese", considerou o comentador, rematando que, "em qualquer circunstância", José Alberto Guerreiro "tem muita responsabilidade".
Em segundo lugar, Marques Mendes acusou as centrais sindicais de "não terem feito nada" para proteger os trabalhadores migrantes.
"No final do dia, estamos a falar de trabalhadores, migrantes ou não, estão sujeitos à lei portuguesa. Ainda por cima fazem um trabalho duro e penoso, que muitos trabalhadores portugueses já não querem fazer. As centrais sindicais, normalmente, manifestam-se por tudo e por nada. Aqui, até podem ter feito alguma coisa, mas o país nunca notou", analisou.
Ainda no que diz respeito às estruturas sindicais, o ex-líder partidário deixou um recado específico a CGTP: "Penso que as centrais sindicais, sobretudo a CGTP, têm de mudar um bocadinho de atitude".
Por fim, Maques Mendes apontou o dedo ao Ministério do Trabalho e à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). "Já houve notícias de que já fez algumas diligências e relatórios, mas perante as situações que todo o país viu exigia-se muito mais. No essencial fecharam os olhos, quase toda a gente fechou os olhos", apontou.
Na opinião de Marques Mendes, a situação em Odemira "envergonha os portugueses" e demonstra que "há dois países dentro de Portugal".
"Há um país moderno e europeu, que faz a Web Summit e organiza a Cimeira Social do Porto, decente, virado para o futuro e, depois, temos um, como por exemplo se vê em Odemira, sem decência, sem regras, desumano, que parece um país do terceiro mundo", argumentou, apelando para que "depois de passar esta espuma" sejam reunidos esforços para solucionar de uma forma estrutural os problemas que submergiram esta semana sobre a migração em Portugal.
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