"O mais próximo que estive de uma guerra foi governar em pandemia"

Jamila Madeira, ex-secretária de Estado da Saúde, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

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Melissa Lopes
29/06/2021 09:30 ‧ 29/06/2021 por Melissa Lopes

Política

Jamila Madeira

A bola de cristal da deputada socialista Jamila Madeira não lhe permite adivinhar cenários quanto à durabilidade do Governo ou quanto à sucessão na liderança do PS. A ex-secretária de Estado Adjunta e da Saúde defende, no entanto, que "não há nenhuma razão nem para a oposição nem para os cidadãos obstaculizarem a estabilidade governativa" e que o ciclo de António Costa no partido ainda está longe do fim. "O primeiro-ministro está em funções, está resiliente e com intenções de continuar", diz, em entrevista ao Notícias ao Minuto. 

Jamila Madeira, que saiu do Governo em setembro do ano passado (uma decisão da ministra da Saúde que a deixou "surpreendida") refere-se ao tempo em que assumiu funções governativas como um ano intenso "que valeu por muitos mais". Orgulha-se de ter demonstrado que a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a "joia da Coroa", é possível, e garante que não costuma "olhar para trás". Depois de uma passagem intensa pelo Governo, por culpa da pandemia da Covid-19, é no Parlamento que quer continuar a defender os interesses do Algarve, a região pela qual foi eleita, e o país.

Sobre a pandemia, defende que um dos grandes problemas da forma como estamos a encarar a possibilidade de uma quarta vaga reside no facto de "não estarmos a olhar para a realidade como ela é". E a realidade, aponta, é distinta daquela com que vivíamos em março de 2020 em que as fronteiras estavam fechadas e havia zero de mobilidade. "Na UE, o quadro de mobilidade entre os Estados-membros está reposto, se está reposto não há nenhuma razão para não ser incorporado na matriz de risco", argumenta. Além disso, acrescenta ainda, está em curso a vacinação, assim como os certificados digitais. 

Afirmando que o anseio pelo regresso à normalidade levou a que os cidadãos - nacionais e estrangeiros - tivessem desligado e descurado as medidas de proteção, a ex-governante lembra que estas regras de ouro (uso da máscara, o distanciamento e a higiene respiratórias) são essenciais para "ambicionarmos retomar a nossa liberdade".  "Em qualquer situação, em qualquer ponto da matriz, até termos imunidade de grupo, se não estamos sempre a sofrer retrocessos", frisa.

Sobre a oposição, observa que o PSD se tem "distanciado numa lógica de política populista e extremista". "É uma postura um pouco estranha e com um toque de desespero", diz, lamentando que os social-democratas estejam a normalizar a linha política do Chega. "Não é uma linha de normalidade, não é uma linha alternativa, é sim uma linha perigosa que leva os cidadãos para um discurso simples, manobrado e perigoso", alerta.

A preocupação com as pessoas que ficaram mais vulneráveis e mais expostas ao risco em situação em pandemia está sinalizada nos instrumentos que o Governo vai pôr agora ao dispor

Um estudo da Universidade Católica revela que a crise pandémica atirou para a pobreza mais 400 mil portugueses. São os novos pobres, que passaram a viver com menos de 508 euros por mês. E isto aconteceu mesmo com os apoios do Governo. Que cenário podemos antever para os próximos anos sem o balão de oxigénio dos apoios? Um crescimento galopante da pobreza no país? Ou os fundos europeus vão conseguir evitar isso?

Podemos e devemos ter em conta que há um século que não se vivia uma pandemia com esta intensidade e este impacto. Podemos dizer também que nunca houve, nem em crises económicas perspetivadas, nem em situações como esta de crise pandémica absolutamente súbita, em que toda a atividade económica parou, a não ser os serviços essenciais, um conjunto de apoios tão significativo. O Governo preocupou-se em assegurar rendimentos, em assegurar potencial e capacidade produtiva para que no momento da reabertura todos estivéssemos capazes de contribuir para a retoma da economia. Isso não nos retira o problema de um conjunto de pessoas que trabalham em situações de alguma precariedade laboral e que, portanto, são difíceis de apanhar e de apoiar.

Aquilo que agora temos como desafio é o aumento da resiliência, que, aliás, está muito bem definido no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas também na dinâmica do quadro comunitário que termina este ano e no quadro plurianual que agora se inicia. A preocupação com estas pessoas que ficaram mais vulneráveis e mais expostas ao risco em situação em pandemia está sinalizada nos instrumentos que o Governo vai pôr agora ao dispor. Acreditamos - e julgo que o Governo acredita e cabe aos portugueses ajudar a que assim seja - que estes instrumentos vão resgatar estas pessoas destas situações que, como foi dito durante os últimos cinco anos, não queremos ver. Esse foi um esforço feito através da indexação do IAS ao crescimento económico, através da subida – não vou dizer expressiva, mas claramente nunca antes vista – do salário mínimo nacional, e do conjunto de subvenções e apoios, entre os quais o abono de família.

Quisemos sempre resgatar as pessoas mais vulneráveis para estarem na linha da frente da recuperação económica. Era uma enorme preocupação do Governo. No momento em que pretendemos aumentar esta resiliência, e em que voltou a ser visível que o que foi feito não tinha sido suficientemente forte para sofrer este impacto, importa continuar a recuperar esse trabalho. 

O Algarve sente particularmente os efeitos desta crise. É possível traçar um retrato da realidade da região, numa altura em que ainda não se pode falar de uma verdadeira retoma do turismo e em que as restrições apertaram novamente?

A pandemia e o confinamento são a antítese do turismo. O turismo é mobilidade, convívio, interação e dinâmica económica entre as pessoas. A pandemia veio trazer ao turismo o maior impacto de todos, não só em Portugal, não só no Algarve, mas em todas as zonas. O Algarve sofre de sobremaneira com este impacto porque está absolutamente ancorado numa monocultura do turismo, tendo isso sido evidente nas negociações que o Governo fez com a União Europeia que resultaram na criação de uma bolsa suplementar de 300 milhões de euros para a diversificação da base económica, tendo presente que é muito difícil recuperar destes impactos. Não é possível recuperar de um dia para a noite. Não é só pelo desconfinamento que o turismo vai ter uma retoma como tinha antes. 2019 foi um dos melhores anos turísticos de sempre, 2020, até fevereiro, perspetivava-se [bom], e de repente tudo fecha. A recuperação de níveis turísticos de 2019 não será imediata no momento da reabertura. É preciso perceber que a economia vai arrancar, vai recuperar com um conjunto de regras. Foi assim que se fez no verão passado, é assim que ambicionamos, logo que possível, ainda este verão.

Mas há uma coisa que temos de ter presente: o vírus ainda vai marcar presença, a vacinação ainda não está completa - nem aqui nem em nenhum país da Europa. Sabemos que a imunidade de grupo é para os países mas é também para todo o espaço de mobilidade em que as pessoas convivem. O certificado digital vai ajudar mas também sabemos que não vai ser no momento 0+1. Levará algum tempo até essa recuperação acontecer.

O importante é o retomar a atividade e recuperar o tempo perdido

Os instrumentos que referi há pouco - PRR, o quadro financeiro plurianual e os mais 300 milhões - são muito importantes para alavancar novas dinâmicas mais autónomas, que permitam à economia ter outros alvéolos de respiração que não só o turismo. Isso é particularmente relevante porque, em termos sociais, apesar de termos todos os apoios como o lay-off, apoio à capacidade produtiva, apoio às rendas, o desemprego cresceu significativamente no Algarve. Só não cresceu mais porque todos estes apoios têm sido um verdadeiro balão de oxigénio para a região. O importante é o retomar a atividade e recuperar o tempo perdido. De qualquer forma, podemos dizer que temos bons indicadores. O Banco de Portugal veio sinalizar que a recuperação aos níveis de 2020 já será obtida no segundo semestre de 2022. 

Até lá, muitos negócios hão de ficar pelo caminho.

A dinâmica de extinção e abertura de negócios faz parte da economia. O que temos de salvaguardar é que podemos recuperar os negócios e a economia que era pujante e que por via da pandemia ficou fragilizada. Quanto aos que já eram frágeis, vamos ter de entrar na recuperação e reconversão. É aí que entra o PRR e estes mais 300 milhões [para a região do Algarve]. Temos de os redirecionar para outras atividades. 

Se olhar para a região numa lógica de vacinação, acho que algumas coisas podiam ter sido mais céleres, mas a dinâmica da imunidade de grupo é uma dinâmica como um todo nacional

Pelas caraterísticas da região, o Algarve devia ter merecido especial atenção no que toca à vacinação contra a Covid-19 por forma a que a retoma do turismo se efetivasse de forma mais acelerada?

Julgo que houve uma preocupação de servir o país com a imunidade de grupo como um todo. Se olhar para a região numa lógica de vacinação, acho que algumas coisas podiam ter sido mais céleres, mas a dinâmica da imunidade de grupo é uma dinâmica como um todo nacional. Neste momento o Algarve está a ter como cliente primordial o cliente nacional e esses [turistas] também precisamos que tenham certificado digital para se deslocarem para a região. Sobre a estratégia de vacinação não me irei pronunciar. O que quero dizer é que é muito importante que a região esteja vacinada, bem vacinada e rapidamente. Mas também é muito importante que os seus potenciais clientes também cumpram essa premissa para estarmos todos em segurança.

Todos os cidadãos, nacionais e estrangeiros, estão ansiosos  para poder regressar à normalidade (...) Ao sentirem que se abriram alguns canais de fronteira onde puderam vir de férias e ao sentirem que a retoma da liberdade estava ao seu alcance, desligaram e descuraram as medidas de proteção e segurança 

Tendo em conta a disseminação de novas variantes do vírus, nomeadamente a Delta, podemos considerar que Portugal "facilitou" em algum aspeto?

Não conheço os detalhes da propagação da variante Delta, não vou entrar nesses pormenores de especialista. Treinadores de bancada há em todo o lado, é muito fácil depois de os problemas acontecerem termos outras análises. Naturalmente que a disseminação da variante Delta nos preocupa. Há um sinal que é importante ter: Não só os mais jovens, onde a incidência é maior, mas todos os cidadãos, nacionais e estrangeiros, estão ansiosos pelo desconfinamento, para poderem regressar à normalidade. Ao sentirem que se abriram alguns canais de fronteira onde puderam vir de férias e ao sentirem que a retoma da liberdade estava ao seu alcance, desligaram e descuraram as medidas de proteção e segurança que eram essenciais para conseguirmos manter os bons indicadores. Independentemente da idade e da origem, todos temos de manter as normas de segurança - cumprimento da higiene respiratória, distanciamento, uso de máscara. É essencial para ambicionarmos retomar a nossa liberdade. Em qualquer situação, em qualquer ponto da matriz, até termos imunidade de grupo, senão estamos sempre a sofrer retrocessos. 

Na UE, o quadro de mobilidade entre os Estados-membros está reposto, se está reposto não há nenhuma razão para não ser incorporado na matriz de risco 

Que comentários lhe merecem a situação pandémica atual?

Um dos grandes problemas da forma como estamos a encarar a possibilidade de uma quarta vaga reside no facto de não estarmos a olhar para a realidade como ela é. A matriz de risco foi desenhada em termos europeus, e que serve de referência a Portugal, é uma matriz de risco vista à luz de março de 2020. Essa matriz foi construída num cenário de fronteiras fechadas e de zero mobilidade. Neste momento, não é assim. Temos vacinação em curso, certificado digital e mobilidade. E o que fazemos é que, independentemente de termos mais ou menos casos e termos mais resposta em termos da capacidade do SNS e dos outros serviços de saúde europeus, o impacto destes números na matriz é claramente diversa. 

Então é favorável à alteração da matriz de risco?

Mas em termos europeus. O universo com que o número de casos se relaciona é o universo da população daquela freguesia, daquele concelho, daquele país. O universo que está ali em causa, para além de estar vacinado e de ter certificado digital, é um universo muito maior. O que é preciso mesmo é que a Europa perceba que neste momento tem uma matriz que está vista à luz de março de 2020 e não à luz das fronteiras abertas. 

Os próprios certificados foram concebidos para aumentar a mobilidade. 

Sim, para aumentar ainda mais. Mas neste momento há mobilidade. As pessoas circulam, há milhares de turistas por todo o lado, há milhares de mobilizações, incluindo na própria Presidência, e essa realidade dessa população flutuante tem de ser incorporada na matriz, sob pena de estarmos a medir níveis de risco como se o universo da população estivesse estático como esteve quando foi o confinamento. Na UE, o quadro de mobilidade entre os Estados-membros está reposto, se está reposto não há nenhuma razão para não ser incorporado na matriz de risco. 

Mas entende que a nossa matriz de risco deve ser modificada, como tem defendido o Presidente da República por exemplo?

A matriz de risco é uma articulação europeia. A Europa tem de perceber que os indicadores que temos hoje são diferentes. Nós guiamo-nos pelos padrões de referência que em termos europeus temos contruído. Não é muito diferente. Há ligeiros ajustes mais particulares. A nossa forma de medir níveis de risco é europeia. Este é um problema que impacta sobre zonas onde a mobilidade, sobretudo em tempo de férias, é maior. Portugal, Grécia, Itália e Espanha são zonas de destino. Se o universo não se adequar ao espírito da mobilidade, apenas teremos os casos positivos a aumentar o nível de risco, não teremos a repercussão na população flutuante que isso implica. 

Não encontro nenhuma razão nem para a oposição nem para os cidadãos obstaculizarem a estabilidade governativa

Acredita que o Governo vai conseguir levar a legislatura até ao fim, considerando o desgaste natural da crise pandémica?

A minha bola de cristal não me permite antecipar cenários. Julgo que o senhor primeiro-ministro tem feito todos os exercícios necessários para manter as pontes com todos os partidos no sentido de demonstrar que, não tendo maioria, estamos aqui para construir soluções de futuro e para a resiliência do país. Isso foi conseguido, inclusive, durante a pandemia, mantendo todas as cartas ao dispor de todos os partidos da oposição e mantendo todos os sinais de qual é a estratégia de apoio às pessoas e à economia que pretendemos.

Não encontro nenhuma razão nem para a oposição nem para os cidadãos obstaculizarem a estabilidade governativa. Olhando de uma maneira política racional, julgo que o Governo tem condições para prosseguir. Se olharmos de uma maneira emocional, a bola de cristal não me permite antever, de facto. 

Acho que o mais próximo que estarei [de um cenário de guerra] foi governar em tempo de pandemia

E António Costa continuará a ser primeiro-ministro depois de 2023?

Essa é outra [resposta] que a bola de cristal não me permite antever [risos]. Mas julgo que todos os sinais demonstram que o senhor primeiro-ministro, agora que está no final de uma Presidência [da UE] muito bem sucedida e com muitos sucessos na agenda, apesar da pandemia, mostrou não só a sua capacidade de concertar e de criação de consensos ao nível europeu, de reforçar uma Europa que se via um pouco fragilizada pela pandemia, que viveu momentos menos bons mas que se reconstruiu e que se apresenta com um lado pujante e afirmativo para enfrentar todos os problemas que todas as economias europeias vão ter. 

Governar em pandemia traz que lições?

Traz muita intensidade. Cada dia valeu por muito mais que um. Um, dois, três, quase uma semana. Quando dávamos por nós, ao fim do dia, parecia que tinha passado uma semana. E dá-nos uma experiência de sermos capazes de construir soluções a todo o momento e de estarmos sempre prontos para o imprevisto. Se calhar é um bocadinho do cenário de guerra, eventualmente. Acho que o mais próximo que estarei [de um cenário de guerra] foi governar em tempo de pandemia. 

Ainda que a incerteza seja muito grande, o que é que é mais compensador: o trabalho como deputada ou como governante?

As funções executivas são muito objetivas e muito consequentes. Tomamos uma decisão e elas acontecem. Se fizer o paralelismo daquilo foram as minhas funções parlamentares imediatamente anteriores a ir para o Governo, em que tive o orgulho de negociar, construir e aprovar uma nova Lei de Bases da Saúde, posso dizer-lhe que fomos muito executores em termos parlamentares. É possível mudar a vida das pessoas com o trabalho parlamentar.

Depois tive funções governativas com uma imensa responsabilidade. Desde logo, a regulamentação da própria lei de bases da saúde e a definição do plano de investimentos plurianual. Pela primeira vez, em dezembro de 2019, foi desenhado um plano plurianual, para dois anos, de 190 milhões de euros, com um conjunto de reforços e equipamentos para as unidades do SNS, para lhes dar resiliência e robustecer a capacidade de resposta. Por outro lado, foi lançado o plano plurianual de investimentos – que já terá sido entregue depois da minha saída – para cinco anos. Pela primeira vez, desenhou-se planos de investimentos para o SNS com uma visão tão lata. Na saúde é tudo muito imediatista, é preciso ‘para já’ e não se pode esperar.

Naturalmente, não foram atingidos todos os objetivos financeiros, mas fiquei com a noção do dever cumprido de demonstrar que o SNS é sustentável e que é a nossa joia da coroa, a qual temos de proteger 

Ou mesmo para ‘ontem’.

Ou ‘para ontem’, exatamente. Ao mesmo tempo, também tive a responsabilidade – era esse um dos meus objetivos – assegurar a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A sustentabilidade em saúde e a sustentabilidade financeira, ambas absolutamente críticas. O SNS é uma peça na qual os portugueses se habituaram a confiar e que faz diferença na sua qualidade de vida e na economia de bem-estar que temos construído no nosso país. E é uma peça absolutamente única em todo o xadrez do modelo social europeu. Era preciso garantir que, estando nós a viver à época - até à fevereiro de 2020 - uma situação de não crise e de recuperação, que conseguíamos, com todo o esforço de reposição de capacidade financeira que tinha sido conseguido durante os quatro anos anteriores, nivelar em 2020 pelas necessidades os objetivos de sustentabilidade financeira do SNS.

Ora, consigo dizer com máximo orgulho que, em setembro, depois de uma pandemia e de momentos em que tivemos de ir ao mercado sem pré-aviso para servir essa mesma pandemia e para que nada faltasse às nossas equipas, foi possível chegar pela primeira vez na história do SNS a um saldo positivo das contas. Isso foi particularmente importante. Assim como foi importante que no final do ano o prazo médio de pagamento no SNS fosse 95 dias, contrapondo com os 145 dias que era a bitola comum, e que tenha havido uma redução da dívida vencida há mais de 90 dias de 844 milhões para 151 milhões. Não faltando nada, foi possível demonstrar que o SNS é sustentável financeiramente. Recentemente, o ex-primeiro-ministro de Direita disse que o SNS é um buraco sem fundo. Não é verdade.

Naturalmente, não foram atingidos todos os objetivos financeiros, mas fiquei com a noção do dever cumprido de demonstrar que o SNS é sustentável e que é a nossa joia da coroa, a qual temos de proteger. 

Crê que o SNS vai sair desta crise pandémica muito mais robusto e reforçado?

Creio que sim. Aliás, só a experiência da crise pandémica traz isso. Com todos os instrumentos que foram colocados ao dispor e com toda a capacidade que demonstrou, sairá mais reforçado. É um reforço que não é escamoteável. A confiança dos portugueses no SNS antes da pandemia já era grande e ficará ainda mais reforçada.

O primeiro-ministro está em funções, está resiliente e com intenções de continuar

Nessas declarações que referiu, Pedro Passos Coelho acusou mesmo a esquerda de “desqualificar” o SNS. Como enquadra estas declarações do ex-primeiro-ministro numa fase em que, como defende, é de fortalecimento e de reforço do SNS?

Julgo que isso é mesmo uma questão de agenda política. É uma tentativa de aproveitar momentos de crise económica para desviar das atenções uma ausência de ideias e de propostas que sirvam os portugueses por parte dos parte da Direita. Isso é sintomático. A frase mais comum é que a saúde é segundo maior negócio no mundo, a seguir às armas. Acho que essa mensagem, a única mensagem do antigo primeiro-ministro, quer precisamente dizer “voltemos ao negócio e retiremos a sustentabilidade e a garantia que ela significa para os portugueses”.

Enquanto socialista, enquanto ex-membro do Governo que cuidou, reforçou e garantiu a sustentabilidade do SNS, só posso dizer aos portugueses: Percebam que a única coisa que está na mensagem [de Passos Coelho] não é servir a saúde dos portugueses, é servir um conjunto de negócios. Naturalmente, na saúde tudo movimenta milhões. Queremos dar uma resiliência ao SNS, o que não tem nada a ver com confronto com o privado, que tem o seu próprio espaço. O SNS precisa de ser e de ter a resposta adequada aos portugueses. 

Os vários partidos têm estado à altura do desafio da pandemia?

Acho que têm tentado. A avaliação sobre se estiveram ou não à altura cabe aos cidadãos, não me cabe a mim. 

O futuro do PS pode passar por ter uma mulher como líder? Quem via nessa posição? Ana Catarina Mendes, Mariana Vieira da Silva, por exemplo? Ou a própria Jamila ... 

É a mesma pergunta da bola de cristal. Como falámos há pouco, o primeiro-ministro está em funções, está resiliente e com intenções de continuar, depois desta presidência em que demonstrou, uma vez mais, a sua força. É uma discussão que volta e meia surge mas naturalmente é muito precoce. Todas as épocas de sucessão dentro dos partidos acontecem mas esta vem, claramente, ainda muito fora de tempo. 

É um ciclo que está então longe de ser encerrado, é isso?

Julgo que sim. 

Acredita que os eleitores não vão penalizar o PS no próximo ato eleitoral, as autárquicas, tendo em conta, porventura, o desgaste causado pela crise pandémica?

Há uma mensagem muito importante para passar. A pandemia foi enfrentada com muita robustez e trabalho por parte de profissionais de saúde, de estruturas ao nível hospitalar e ao nível de retaguarda. Mas foi também ultrapassada e cumprida com o apoio absolutamente incansável por parte das autarquias do nosso país. Durante este processo, o Governo promoveu a discussão do processo de descentralização na área social, na área da saúde, na área da educação, áreas críticas numa capacidade de resposta durante o período de pandemia. Foi preciso dar assistência aos lares, dar assistência às pessoas que não tinham recursos e que se viram, de repente, confinadas, sem ter quem as acompanhasse e ajudasse. Pela forma correta como as autarquias cumpriram estas funções e pelo facto de o PS ter a esmagadora maioria das autarquias, posso dizer com conforto que não há nenhuma razão para que a resposta dos candidatos socialistas deram enquanto autarcas não seja reconhecida e até reforçada, apoiando candidatos que também estiveram no terreno, apesar de não terem responsabilidades autárquicas.

A pandemia também trouxe essa proximidade, a demonstração clara que as autarquias estão aptas a desempenhar estas funções e querem-no fazer bem. E os cidadãos reconhecem a necessidade dessa proximidade neste tipo de respostas. 

A pandemia terá contribuído para aproximar os autarcas dos eleitores?

Tenho essa perceção e acho que, de um modo geral, essa função foi bem cumprida. 

Nas suas últimas intervenções, o PSD tem-se claramente distanciado numa lógica de política populista e extremista. É uma postura um pouco estranha e com um toque de desespero

Seria desejável uma reedição da Geringonça, que envolva PS, BE e PCP, depois das próximas legislativas?

O PS sempre disse, e acho que continua a dizer, que governa nas condições que os cidadãos lhe derem para governar. Foi isso que fez desde a primeira hora. Claro que com condições mais estáveis e com mais força há mais estabilidade e capacidade de intervenção. Contudo, acho que PS deve continuar a dizer isso. Cabe naturalmente ao secretário-geral e primeiro-ministro, perante os resultados, saber em que termos é que vamos construir as soluções de futuro, com mais ou menos músculo. Aquela que também foi uma mensagem clara de António Costa foi que manteríamos as pontes de diálogo com todos os partidos da oposição independentemente do resultado eleitoral. Isso é uma mensagem de solidez e de estabilidade para o futuro. Mas a forma com que depois se pode governar não é naturalmente a mesma, não há as mesmas margens e a mesma força para atuar. 

Como tem encarado o posicionamento do PSD como principal partido da oposição no diálogo com o PS?

Nas suas últimas intervenções, o PSD tem-se claramente distanciado numa lógica de política populista e extremista. É uma postura um pouco estranha e com um toque de desespero. Como ainda estamos muito longe das eleições legislativas, espero que haja uma recuperação da linha justa, que o diálogo seja possível e que esses pontos extremistas sejam apenas um deambulo em ano eleitoral. 

Esse desespero de que fala prender-se-á com a emergência do Chega. O que é que  explica a emergência de um partido de extrema-direita no espetro político português e qual a melhor maneira de combater o fenómeno?

Devemos focar-nos em desmontar as coisas absolutamente inacreditáveis em termos de valores de direitos humanos, de princípios, de democracia até, que o Chega preconiza e que num país democrático como o português não podem ser toleradas. Não podemos simplesmente branquear essa linha política, dando-lhe um ar de normalidade. Não é uma linha de normalidade, não é uma linha alternativa, é sim uma linha perigosa que leva os cidadãos para uma discurso simples, manobrado e perigoso em detrimento de todos os valores que o 25 de Abril nos trouxe. 

E o PSD tem normalizado o Chega?

Infelizmente. Infelizmente. 

Tem saudades de integrar o Governo?

Acho que todas as coisas têm o seu tempo. E a minha função [como secretária de Estado da Saúde] teve o tempo que teve. São funções muito intensas e muito interessantes, com uma aprendizagem muito rica. Foi um ano muito intenso que valeu por muitos mais. Não costumo olhar para trás, costumo olhar para a frente. É assim que me vejo neste momento. 

E o que é que vê para a frente?

Um horizonte promissor [sorrisos], com muita coisa para fazer. 

Mas que ambições políticas tem?

Neste momento, representar os eleitores. Fui cabeça de lista pelo Algarve. Pretendo continuar a defender os interesses do país e da região no Parlamento. É nessas funções que estou e desempenhá-las-ei da forma mais intensa e adequada possível. 

Leia Também: "É preciso que a UE perceba que tem uma matriz à luz de março de 2020"

 

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