"Vamos admitir, por absurdo, que essa seria a coima final - 1,2 milhões de euros. Significa 0,1% do orçamento da câmara [proposta de 1,16 mil milhões de euros para 2022]", afirmou o socialista João Paulo Saraiva, rejeitando as palavras da atual liderança da Câmara de Lisboa, sob a presidência de Carlos Moedas (PSD), de que a multa da CNPD "coloca em causa opções e apoios sociais previstos no orçamento agora apresentado".
"Acho que devia haver decoro por parte do presidente da câmara Carlos Moedas e da sua equipa quando se fazem afirmações deste género, porque a única palavra que me surge, assim à primeira, é [que é] uma vergonha dizer uma coisa deste género, é um absurdo", declarou o ex-vice-presidente da Câmara de Lisboa (no anterior executivo, presidido pelo socialista Fernando Medina) e atual vereador da oposição, sem pelouro atribuído.
Em declarações à agência Lusa, João Paulo Saraiva recusou ainda a ideia de que a multa da CNPD "é uma pesada herança" do anterior executivo, considerando que tal afirmação por parte da atual liderança municipal é uma "falta de decoro total, político e pessoal". Quando o PS assumiu a liderança do município após a governação do PSD, acrescentou, "recebeu mil milhões de euros de dívidas e 500 milhões de euros de dívidas a fornecedores".
Em causa está a decisão da CNPD de multar a Câmara de Lisboa em 1,2 milhões de euros no processo relativo ao tratamento de dados pessoais de participantes em manifestações, confirmada hoje à Lusa por fonte oficial do município.
Para o autarca socialista, a autarquia deve recorrer da decisão da CNPD e "o PS apoiará todas as iniciativas de recursos sobre esta matéria".
Para João Paulo Saraiva, as questões apresentadas pela CNPD "são completamente atacáveis", nomeadamente a atribuição de ação dolosa a todos aqueles que participaram nos processos decisão sobre esta matéria, o que "não tem qualquer sustentabilidade jurídica", e a transmissão da informação sobre quem são os promotores das manifestações à Polícia de Segurança Pública (PSP): "Num conjunto apreciável das 225 infrações que são referidas no relatório, cerca de 111 têm envio a entidades terceiras, nomeadamente a PSP".
O ex-vice-presidente destacou também o histórico da CNPD, sublinhando que "1,2 milhões de euros não é a maior coima" - as mais elevadas foram aplicadas ao Hospital do Barreiro (a comissão propôs cinco milhões de euros e acabou por não cobrar nada) e à operadora de telecomunicação Optimus, em que a multa inicial era de cerca de quatro milhões de euros e acabou por ser aplicada no valor de 100 mil euros.
"Se não fosse por outro motivo, que há muitos outros e melhores do que este, este seria um bom motivo por si só para recorrer", apontou.
O socialista considerou que o valor da coima à autarquia "não tem expressão" comparado com os montantes divulgados inicialmente. No seu entender, "a CNPD alimentou e deixou que fosse alimentado que seriam centenas de milhões de euros", antes do trabalho de auditoria interna que a câmara fez e da defesa que apresentou à comissão.
"Estou só a relativizar o facto de na altura se ter falado que, para além da questão reputacional do município, havia a questão financeira em centenas de milhões de euros", expôs, recusando a ideia de desvalorização e desresponsabilização da situação, que "é grave".
Sobre o que poderá ser a coima final após a câmara recorrer, João Paulo Saraiva defendeu que "será um valor completamente insignificante relativamente àquilo que foram os valores iniciais e mesmo relativamente ao valor que está agora em cima da mesa".
A Lusa tentou contactar, sem sucesso, o anterior presidente Fernando Medina.
A CNPD tinha já anunciado em julho de 2021 -- quando a autarquia era ainda liderada pelo socialista Fernando Medina - a identificação de 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.
O processo foi aberto devido a uma participação - que deu entrada na CNPD em 19 de março de 2021 - relativa à comunicação à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.
Após a vitória nas autárquicas de setembro de 2021 à frente da coligação "Novos Tempos" (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), Carlos Moedas governa o município de Lisboa, mas sem maioria absoluta.
No atual mandato (2021-2025), o executivo é composto por sete eleitos pela coligação "Novos Tempos" -- três do PSD, dois do CDS-PP e duas independentes -, que são os únicos com pelouros atribuídos; sete pela coligação "Mais Lisboa" -- cinco do PS, um do Livre e uma independente -; dois da coligação PCP/PEV -- ambos do PCP -; e uma do BE.
Leia Também: Russiagate. Proteção de Dados multa Câmara de Lisboa em 1,2 milhões