O dia foi tenso na expectativa da demissão (ou não) do ministro das Infraestruturas, João Galamba, e eis que, ao final do dia desta terça-feira, o governante apresentou o seu pedido de saída do Governo ao primeiro-ministro António Costa, "em prol da necessária tranquilidade institucional".
O que ninguém esperava era a reação do chefe do Governo que, numa declaração à comunicação social, pediu "desculpas aos portugueses", em nome do Governo sobre o "deplorável incidente de natureza excecional" que envolve o ministro, mas recusou veemente a demissão de Galamba.
Governo "descredibilizado" e um Costa desafiador?
Da Esquerda à Direita, os partidos reagiram, acusando António Costa de desafiar "a autoridade do Presidente da República", de estar "descredibilizado" e do Governo estar "de costas voltadas para o país e para as instituições".
O presidente da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha apontou que este é "um desafio claro à autoridade do Presidente da República e ao país" e é "uma encenação" que "constitui um incidente gravíssimo face ao cenário que vivemos", reforçando que se trata de um "conflito institucional aberto" entre São Bento e Belém.
"Perante uma tentativa pública de humilhação ao senhor Presidente da República, a palavra devolve-se ao senhor Presidente da República", defendeu o líder liberal, considerando que "a única maneira de repor a normalidade democrática é que haja uma dissolução do parlamento e que os portugueses sejam chamados a pronunciar-se".
Já Paula Santos, do Partido Comunista Português (PCP), considera as "opções políticas por parte do Governo, do Partido Socialista" estão "a prejudicar o país".
A deputada comunista não quis falar em nomes, referindo que "a questão essencial não é entrada ou saída de ministros do Governo", mas dar resposta "aos problemas que afetam os trabalhadores e o país".
O partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) mostrou-se "preocupado" com a crise política, mostrando "surpresa" pela decisão de António Costa de manter João Galamba em funções, o que pode pôr em causa a "credibilidade das instituições e no poder político".
Inês de Sousa Real reagiu à conferência de imprensa do primeiro-ministro, enfatizando que a maior questão são "as causas e as preocupações dos portugueses". Pediu ainda que a governação não ficasse "refém" de uma luta entre Costa e Marcelo Rebelo de Sousa.
"Portugal tem estado estagnado, há fundos absolutamente estruturais e para os quais este ministério [das Infraestruturas] tem um papel primordial - seja na descarbonização, nos transportes públicos, na ferrovia ou na coesão territorial e social - e não podemos continuar a ter o país refém deste braço de ferro entre o Presidente da República e o primeiro-ministro", disse a porta-voz do partido, acrescentando que mantém esperança numa reforma no Governo sem que o país volte às urnas.
Por sua vez, a ainda líder do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, criticou o facto de o primeiro-ministro falar da "coboiada do Ministério das Infraestruturas" e "não dizer uma palavra sobre os problemas políticos do Governo".
Para a bloquista, é a "degradação", a "maioria absoluta como ela própria", lamentando que Costa tenha falado do "incidente" em vez de falar do "problema".
"Temos um Governo absolutamente descredibilizado por ter tido ministros que sucessivamente mentem. O primeiro-ministro tem de responder pelo funcionamento das instituições", concluiu.
O líder do partido Livre, Rui Tavares, declarou que "em consciência" não considera que a decisão de Costa seja boa para o país.
"Penso que o país deveria ter, neste momento, uma viragem para um tipo de governação que fosse mais aberta, em que o Governo viesse mais ao Parlamento e, inclusive, porque tem uma maioria absoluta e tem essa segurança, que governasse mais com os outros partidos representados na Assembleia da República", considerou, ressalvando que "falta coordenação política ao nível da liderança do Governo".
O líder do Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, reagiu em comunicado, remetendo mais informações para uma conferência de imprensa que dará na quarta-feira.
Na nota, o partido de Luís Montenegro lamenta a "auto-degradação" do Executivo socialista que, nas suas palavras se "mantém à deriva, sem liderança efetiva, com inegável falta de autoridade e numa tentativa teatral de ultrapassar tantas fragilidades".
"A declaração do primeiro-ministro esta noite, prova que este Governo está de costas voltadas para o país e para as instituições", lamentou.
Por sua vez, o presidente do CDS - Partido Popular, Nuno Melo, reagiu, concebendo que o "regime caiu no fundo".
"Se a demissão de João Galamba era insuficiente - a manutenção no cargo pelo primeiro-ministro significa a desconsideração de mínimos de ética na política. Afrontando o Presidente da República, desvalorizando as preocupações de Belém e a perceção geral do país, o primeiro-ministro coloca o governo num plano insustentável", escreveu Nuno Melo, através de uma publicação no Twitter.
Por fim, o presidente do Chega, André Ventura, apontou "desequilíbrio emocional" e "precipitação política" ao primeiro-ministro e considerou que o "ambiente de confronto" com o Presidente da República deixa o Governo sem condições para continuar em funções.
André Ventura considerou que o primeiro-ministro decidiu "enfrentar diretamente o Presidente da República, a grande maioria da opinião pública do país e dos agentes políticos" e acusou António Costa de fazer um "exercício de vitimização, puxar a corda e pedir a Belém que marque eleições na lógica de que quanto mais rápido para o PS melhor porque o desgaste acontece a cada dia e a cada semana".
Anteriormente, nas suas redes sociais, já havia deixado um conjunto de questões, considerando estarmos perante "um circo desgastante" para o país.
"O primeiro-ministro estará louco? Perdeu completamente o juízo? Quer arrastar o país para uma guerra institucional e para um circo desgastante de falta de credibilidade?", escreveu Ventura, numa publicação na rede social Twitter.
O primeiro-ministro estará louco? Perdeu completamente o juízo? Quer arrastar o país para uma guerra institucional e para um circo desgastante de falta de credibilidade?
— André Ventura (@AndreCVentura) May 2, 2023
"Decisão que me responsabiliza a mim em exclusivo"
O primeiro-ministro António Costa reiterou que "não lhe é imputável [a Galamba] qualquer falha neste incidente", motivo pelo qual, afirmou, "não posso aceitar o pedido de demissão".
Costa esclareceu que o ministro das Infraestruturas "não procurou de forma alguma ocultar qualquer informação" à Comissão de Inquérito da TAP e que a culpa é de quem "agiu violentamente" e tentou roubar um computador do Estado.
Após ter recusado o pedido de demissão do ministro das Infraestruturas João Galamba, Costa frisou: "Esta é uma decisão minha e que me responsabiliza a mim em exclusivo".
"Nunca ninguém me ouviu comentar qualquer conversa com o Presidente da República. E creio que os portugueses têm apreciado a relação de confiança que temos mantido", acrescentou.
Assim sendo, Costa apenas realçou que se limitou a informar Marcelo sobre a decisão "que julgou adequada" e espera "ter acertado": "Informei o Presidente da República da minha decisão". Embora "divergentes", o primeiro-ministro diz respeitar o entendimento de Marcelo. "Considero muito a opinião do Presidente da República. Muitas vezes concordamos, outras não", apontou.
"O Governo está cá para respeitar qualquer decisão do Presidente da República", referiu, destacando que "ponderou muito" após ter apurado os factos durante o dia de hoje. "Não prescindo de um membro que deu provas", completou.
Presidente da República "discorda da posição" de Costa
Marcelo Rebelo de Sousa, reagiu, logo de seguida, à decisão de António Costa de não aceitar a demissão de Galamba, dizendo que "discorda da posição deste quanto à leitura política dos factos".
"O Ministro das Infraestruturas apresentou hoje o seu pedido de demissão, invocando razões de peso relacionadas com a percepção dos cidadãos quanto às instituições políticas. O primeiro-ministro, a quem compete submeter esse pedido ao Presidente da República, entendeu não o fazer, por uma questão de consciência, apesar da situação que considerou deplorável", fez saber através de uma nota da Presidência da República.
Marcelo esclareceu que "o Presidente da República não pode exonerar um membro do Governo sem ser por proposta do Primeiro-ministro", mas salientou que "discorda da posição deste quanto à leitura política dos factos e quanto à percepção deles resultante por parte dos portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem".
O comunicado da demissão de Galamba na íntegra
"Comunico que apresentei, agora mesmo, o meu pedido de demissão ao Senhor Primeiro-Ministro.
No atual quadro de perceção criado na opinião pública, apresento o meu pedido de demissão em prol da necessária tranquilidade institucional, valor pelo qual sempre pautei o meu comportamento e ação pública enquanto membro do Governo.
Numa altura em que o ruído se sobrepõe aos factos, à verdade e à essência da governação, é fulcral reafirmar que esta Área Governativa, que me orgulho de ter liderado, nunca procurou ocultar qualquer facto ou documento.
Demito-me apesar de em momento algum ter agido em desconformidade com a lei ou contra o interesse público que sempre promovi e defendi na minha atuação enquanto governante, tal como foi, detalhada e publicamente, reconhecido pelo Senhor Primeiro-Ministro.
Reitero todos os factos que apresentei em conferência de imprensa sobre os acontecimentos ocorridos e reafirmo que sempre entreguei à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP toda a documentação de que dispunha.
Considero que a preservação da dignidade e a imagem das instituições é um bem essencial que importa salvaguardar, tal como a minha dignidade, a da minha família e a das pessoas que comigo trabalharam no Gabinete e que foram nestes últimos dias gravemente afetadas.
Agradeço ao Senhor Primeiro-Ministro a honra de me ter permitido participar no seu Governo e agradeço ao Senhor Secretário de Estado das Infraestruturas e ao meu Gabinete todo o trabalho e dedicação que colocaram ao serviço do interesse público.
Por fim, apresento as minhas desculpas à minha Chefe do Gabinete e às minhas assessoras de imprensa que mesmo sob agressão tudo fizeram para proteger os interesses do Estado e que viram, nestes últimos dias e de modo insustentável num Estado de Direito, a sua dignidade afetada."
O que está em causa no 'Caso Galamba'?
A polémica 'estalou' na sexta-feira, após ter sido noticiada a exoneração de Frederico Pinheiro e de o agora ex-adjunto ter acusado o ministro de querer mentir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP sobre a existência de notas de uma reunião entre membros do Governo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista (GPPS) e a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, nas vésperas de uma audição à gestora, em janeiro.
Após ter sido demitido, Frederico Pinheiro ter-se-á dirigido ao Ministério das Infraestruturas, onde, de acordo com João Galamba, agrediu duas pessoas e "levou um computador" que era propriedade do Estado. O caso foi reportado ao secretário de Estado adjunto de António Costa e à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, tendo-lhe sido dito que deveria comunicar ao Serviço de Informação e Segurança (SIS) e à Polícia Judiciária (PJ).
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